TJRS Suspende Determinação de Invasão de Dados em Inquérito

Ao julgar o Mandado de Segurança impetrado em face do ato que ordenou a quebra de sigilo telemático de pessoas não identificadas em procedimento investigativo para apuração de crimes de estelionato o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul concedeu a ordem asseverando a preponderância das garantias constitucionais dos que serão atingidos pela invasão de dados.

 

Entenda o Caso

A GOOGLE impetrou Mandado de Segurança em face do ato que, dentre outras determinações:

[...] ordenou a quebra de sigilo telemático de pessoas não identificadas, no curso de procedimento investigativo instaurado para apuração de crimes de estelionato, objetivando a apuração da autoria de tais infrações, pela identificação de usuários que, entre os dias 01.01.2020 e 28.02.2021, utilizaram a plataforma Google para pesquisar termos relacionados ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, sob pena de multa diária no valor de R$100.000,00 [...]”. 

Sustentaram que a decisão recorrida “[...] equivale à elaboração de um ‘dossiê de informações identificadoras de milhares, senão milhões de pessoas’, tão somente por terem buscado informações na internet, efetuando pesquisa lícita, indivíduos, portanto, que não figuram como suspeitos de qualquer crime, afrontando princípios constitucionais”.

 

Decisão do TJRS

A 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, sob voto da Desembargadora Relatora Fabianne Breton Baisch, concedeu a ordem.

Com base na CF, no art. 5º, LXIX, que trata dos direitos e garantias fundamentais e no art. 1º da Lei nº 12.016/09, destacou que:

A alta complexidade da investigação, que vem reforçada pelo contexto de que crimes da espécie - praticados por meio digital - são cada vez mais comuns, devendo, sem dúvidas, ser duramente combatidos, não legitima a vasta quebra de sigilo dados, direcionada a pessoas indeterminadas.

Ainda, ressaltou a preponderância das garantias constitucionais dos que serão atingidos pela invasão de dados, visto que “[...] a medida em análise alcançará um sem-número de cidadãos, sem qualquer relação com as condutas criminosas, mas que terão seus dados devassados, apenas por terem, em alguma ocasião, efetuado pesquisa relacionada ao Órgão do Ministério Público”.

Nessa linha, esclareceu: “[...] o caráter de direito fundamental do sigilo que será violado com a medida, o qual, diante dessa natureza, exige, à sua flexibilização, a razoabilidade, a operação como ultima ratio e a presença de um cenário fático concreto, que, em juízo de verossimilhança, lhe dê suporte mínimo”.

 

Número do Processo

5186308-20.2021.8.21.7000/RS

 

Ementa

MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. A proteção a direito líquido e certo lesado ou ameaçado de lesão é assegurada constitucionalmente, pela via da ação de mandado de segurança, nos termos do art. 5º, LXIX da CF e art. 1º da Lei nº 12.016/09. Hipótese na qual os impetrantes alegam lesão a direito líquido e certo, em face do deferimento de quebra de sigilo telemático de pessoas indeterminadas, consistente na identificação de usuários que, entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2021, utilizaram a plataforma Google para pesquisar termos relacionados ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Direito à intimidade, privacidade e inviolabilidade das comunicações que tem natureza de garantia fundamental, protegida pelo art. 5º, X e XII da CF. Conquanto o direito de sigilo não seja absoluto, a mitigação somente é cabível quando presente relevante interesse público, consubstanciado na necessidade concreta da diligência para fins de investigação ou instrução criminal, e indícios mínimos de materialidade e autoria delitivas. Vedação a pedidos e decisões genéricas. Inteligência dos arts. 3°, V da Lei Geral de Telecomunicações; art. 7º, I, II e III, e 10, § 3º, ambos da Lei do Marco Civil da Internet; art. 11 da Lei nº 8.771/2016, e 2º da Lei nº 9.296/96. Orientação jurisprudencial emanada do E. STJ. Medida acautelatória deferida no juízo a quo em caráter genérico e impreciso, correspondendo a verdadeira varredura digital, legitimando acesso indiscriminado aos dados de toda e qualquer pessoa que, durante período superior a 1 ano, tenha lançado na plataforma Google determinados parâmetros de pesquisa relacionados ao Ministério Público, alguns deles absolutamente genéricos e comuns, de interesse de considerável parcela dos cidadãos, nem de longe limitada aos operadores do direito. Medida, ademais, que mostra questionável no plano da eficácia, visto que, caso exitosa, resultaria  no alcance de informações sobre milhares, quiçá milhões, de indivíduos, dos mais variados perfis, vinculados por uma única circunstância em comum: o interesse havido, em algum momento, dentro de um período de 14 meses, no Ministério Público. Preponderância, no cotejo dos direitos e interesses envolvidos, das garantias constitucionais de todos aqueles que serão atingidos pela vasta invasão de dados. Impossibilidade de relativização pro societatis das normas constitucionais, dado o grau de inexatidão e amplitude da medida acautelatória. Precedentes desta Corte. Violação a direito líquido e certo demonstrada. Segurança concedida.

SEGURANÇA CONCEDIDA. DECISÃO QUE DETERMINOU A QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO DESCONSTITUÍDA.

 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu, por unanimidade, CONCEDER A SEGURANÇA, RATIFICANDO A LIMINAR DEFERIDA AB INITIO, PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO NO PONTO EM QUE DEFERIU A QUEBRA DO SIGILO TELEMÁTICO E IMPÔS AOS IMPETRANTES A OBRIGAÇÃO CONSTANTE NO ITEM 41.A, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 15 de dezembro de 2021.