Ao julgar a apelação em razão da sentença de improcedência do pedido de indenização pela perda de cerca de 60 mil reais decorrente de fraude bancária praticada por terceiros, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região deu provimento parcial e condenou a instituição bancária ao pagamento de metade do valor pela culpa concorrente.
Entenda o Caso
A apelação foi interposta contra sentença proferida em face da CEF objetivando a “[...] declaração de inexistência de débito e a condenação da ré à restituição de valores debitados de sua conta, bem como ao pagamento de indenização por dano moral”.
O autor afirmou que recebeu uma ligação da Central de Segurança da CEF, sendo vítima de um “golpe do motoboy”.
Nessa linha, disse que “[...] os criminosos tinham os seus dados pessoais, telefonaram dizendo que havia sido realizada uma transação suspeita com o cartão do autor no Shopping Litoral Plaza e sugeriram que ele ligasse para o banco para solicitar o cancelamento do cartão”.
Acrescentou, ainda, que, ao ligar para o Banco, “[...] os criminosos interceptaram a ligação para um ‘callcenter’ falso, mas que é idêntico ao do banco”.
Ressaltou que lhe foi sugerido que levasse o cartão ao setor de fraudes até as 13h, como não era possível foi disponibilizado um motoboy para retirar o cartão na residência, sendo solicitado, também, que digitasse a senha no telefone.
Com a operação, foram retirados da conta quase 60 mil reais.
A sentença julgou improcedente o pedido.
Os Embargos de declaração foram rejeitados, vindo a interpor apelação, insistindo na condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais pela alegada fraude bancária.
Decisão do TRF3
A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com voto do Desembargador Federal Wilson Zauhy, deu provimento parcial ao recurso.
De início, foi consignado o enunciado da Súmula n° 479 do Superior Tribunal de Justiça, ressaltando a responsabilidade objetiva das instituições financeiras por fraudes praticadas por terceiros.
Ainda, destacou que a responsabilidade pode ser afastada “[...] nas hipóteses em que as transações são realizadas mediante o uso de cartão e senha do cliente bancário [...]”.
Diante disso, concluiu que a entrega do cartão e de dados pessoais pelo cliente a terceiro enseja a culpa exclusiva de terceiros, “[...] sem que sequer seja possível ao banco evitar a fraude, na forma do artigo 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor”.
No caso, destacou que era esperado do autor que desconfiasse da situação e confirmou sua culpa pelo dano.
Analisando a possível culpa concorrente da CEF, afirmou que as transações são diferentes do uso normal da conta pelo autor e não foi comprovado pela instituição que “[...] tais transações teriam sido feitas dentro dos padrões de movimentação do autor e dos limites de segurança impostos em sua conta, enquanto fatos impeditivos do direito do autor (art. 373, II, do CPC/2015) [...]”.
Pelo exposto, condenou a instituição financeira ao ressarcimento de metade dos valore a título de danos materiais, mantendo a rejeição ao pedido de indenização por danos morais.
Número do Processo
Ementa
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. “GOLPE DO MOTOBOY”. FATO DE TERCEIRO. CULPA DOS AUTORES AO ENTREGAREM CARTÃO BANCÁRIO A SUPOSTO MENSAGEIRO DO BANCO. TRANSAÇÕES EM VALORES SUPERIORES AOS LIMITES DIÁRIOS E INCOMPATÍVEIS COM O COMPORTAMENTO FINANCEIRO DOS AUTORES. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO BANCÁRIO. CULPA CONCORRENTE DO BANCO RÉU.
1. Pretende a parte autora a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais que entende ter sofrido em razão de fraude bancária.
2. A narrativa trazida aos autos elucida a dinâmica daquilo que vem sido conhecido como "golpe do motoboy": alguém liga para as possíveis vítimas se passando por funcionário do banco e, ao final do engodo, convence-a a entregar um cartão para um suposto emissário desse banco; de posse do cartão e de informações pessoais da vítima, os criminosos fazem diversas transações em seu nome.
3. Se o próprio cliente entrega seu cartão e dados pessoais a terceiro – e isso se revela suficiente para que o golpe aconteça -, não há que se falar em responsabilidade civil do banco, porquanto se está diante de hipótese de culpa exclusiva de terceiros, sem que sequer seja possível ao banco evitar a fraude, na forma do artigo 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.
4. Nada obstante, constatado que eventual defeito na prestação do serviço bancário contribuiu para possibilitar a concretização do golpe, há de se reconhecer a culpa concorrente entre o consumidor e a casa bancária. Precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
5. É de se esperar da pessoa média que mora em grandes centros urbanos, como é o caso dos autores, que desconfie de pessoas que dizem que um emissário irá retirar o seu cartão bancário em sua residência. É fato notório que os bancos não retiram cartão na casa do cliente.
6. Houve culpa de terceiro e dos autores ao fornecerem cartão bancário para pessoa que se passou por funcionário da requerida, configurando-se fortuito externo ao serviço bancário, já que os fatos se passaram fora da órbita de atuação da requerida.
7. Demonstrado que as transações nas contas dos autores foram superiores aos limites diários e que a compra efetuada com o cartão de crédito de um deles foi significativamente incompatível com o uso que o autor vinha regularmente fazendo, configurada está a culpa concorrente do banco réu, uma vez que o serviço bancário não apresentou a segurança que dele razoavelmente se espera (art. 14, § 1°, II, do CDC).
8. Ante o similar grau de culpa dos autores e da instituição financeira, fica esta condenada ao ressarcimento de metade dos valores aqui discutidos. Art. 945 do Código Civil.
9. Em que pese os valores subtraídos dos autores serem elevados, não houve prova de que isso tenha importado em desdobramentos relevantes o suficiente para configurar um dano moral, especialmente porque suas contas bancárias continuaram com bom saldo positivo, sem que lhes tenham sido impostas dificuldades financeiras. Pedido de indenização por dano moral rejeitado.
10. Apelação parcialmente provida para condenar a ré a indenizar os autores em R$ 29.499,49 (vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e nove reais e quarenta e oito centavos), bem como ao pagamento de metade das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação.
Acórdão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação para condenar a ré a indenizar o autor em R$ 29.499,49 (vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e nove reais e quarenta e oito centavos), bem como ao pagamento de metade das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.