TRF3 Condena Construtora e Financeira por Vícios na Construção

Por Elen Moreira - 22/09/2021 as 15:19

Ao julgar a apelação interposta contra sentença que de improcedência da ação que objetivou a reparação dos danos decorrentes de alegados vícios de construção o Tribunal Regional Federal deu provimento e reformou a sentença reconhecendo a responsabilidade da construtora e da CEF na reparação dos danos, fixando, ainda, danos morais e materiais.

 

Entenda o Caso

Trata-se de recurso de apelação interposto em face da sentença de improcedência proferida na ação indenizatória por danos morais e materiais com tutela antecipada, objetivando a condenação das rés diante de alegados vícios de construção.

A sentença concluiu que “[...] não restou comprovado, nestes autos, desídia ou negligência por nenhuma das duas rés, não havendo que se falar, assim, nem em reparação por eventuais danos materiais, nem em indenização por danos morais”.

Nas razões, alegou cerceamento de sua defesa pelo indeferimento da complementação da prova pericial técnica realizada no imóvel.

No mérito, alegou demonstrada a responsabilidade das rés pelos vícios na construção, principalmente pela escolha dos materiais empregados na obra.

 

Decisão do TRF3

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sob voto do Desembargador Federal Relator Wilson Zauhy, deu provimento ao recurso.

Inicialmente destacou que o caso “[...] diz respeito à responsabilidade civil das requeridas pelos vícios constatados no imóvel da autora, adquirido no âmbito do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, que dificultam seu uso e habitabilidade”. 

O alegado cerceamento de defesa foi afastado, visto que “[...] o conjunto probatório do presente feito forneceu ao Magistrado, os elementos suficientes ao deslinde da causa, nos termos do artigo 373 do CPC/15”.

Quanto à responsabilidade da construtora e da CEF esclareceu que não se trata de responsabilidade civil contratual, mas extracontratual, e que restou configurada a responsabilidade da construtora por vícios redibitórios.

A Caixa Econômica Federal, além de agente financeiro, também financiou a construção do imóvel, portanto, foi aplicado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça fixado no AgInt no REsp 1646130/PE, respondendo civil e de forma solidária, “por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida (...)".

Com base na perícia técnica que concluiu pela desconformidade do imóvel com o projeto e com as normas mínimas de construção, a Turma julgou pela procedência da pretensão, determinando o restabelecimento do imóvel “[...] nos termos do projeto contratado com a construtora ré, de modo a garantir seu adequado uso e habitabilidade”. 

Os danos materiais foram deferidos e determinada a apuração em liquidação de sentença, “[...] para custeio de hospedagem da autora e sua família, caso seja necessário seu deslocamento durante o período de execução das obras;”.

Foram fixados danos morais no valor de R$ 15.000,00.

 

Número do Processo

5000900-21.2019.4.03.6107

 

Ementa

APELAÇÃO. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL.  PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E OBJETIVA DAS REQUERIDAS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS. APURAÇÃO DA INDENIZAÇÃO EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. 

1. A matéria devolvida a este Tribunal diz respeito à responsabilidade civil das requeridas pelos vícios constatados no imóvel da autora, adquirido no âmbito do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, que dificultam seu uso e habitabilidade. 

2. De acordo com o artigo 370 do CPC/15, a realização da perícia se faz necessária, quando as razões e documentos consignados nos autos, não se mostram suficientes para convencer o magistrado acerca da verossimilhança das alegações. Entretanto, não se configura cerceamento de defesa quando do indeferimento de diligências inúteis ou meramente protelatórias, cabendo ao juízo determinar as provas necessárias à instrução do processo.

3. No caso dos autos, o conjunto probatório do presente feito forneceu ao Magistrado, os elementos suficientes ao deslinde da causa, nos termos do artigo 373 do CPC/15.

4. Considerando as informações prestadas pelo perito, em consonância com o relatório fotográficos consignado no laudo pericial, resta demonstrada a existência de elementos suficientes para comprovação das patologias estruturais no imóvel periciado, de modo que não há razão para se complementar a perícia, conforme pretende a Apelante.

5. A hipótese versa sobre a responsabilidade civil extracontratual, na medida em que se refere a responsabilidade pela perfeição da obra, vinculada, portanto, à garantia da construção e do resultado que se espera, seja pela perfeição técnica da obra, como também pela sua solidez e segurança, conforme prevê o artigo 618 do Código Civil

6. A aquisição do imóvel se deu no âmbito do Programa "Minha Casa, Minha Vida", funcionando a Caixa Econômica Federal, como agente operador do programa e, portanto, corresponsável pela entrega dos imóveis em adequadas condições de moraria e habitação. A CEF, na qualidade de agente financeiro, também financiou a construção do imóvel, com subsídios do FAR.

7. Aplica-se ao caso, portanto, o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a Caixa Econômica Federal possui legitimidade passiva para responder nos casos em que não atua apenas como agente financeiro, "por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda (...)" (AgInt no REsp 1646130/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/08/2018, DJe 04/09/2018).

8. A relação entabulada entre as partes é efetivamente de consumo e, portanto, à luz do Código de Defesa do Consumidor tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão de forma objetiva e solidária pela reparação dos danos (artigo 7º, parágrafo único c.c 14, caput, do CDC). A jurisprudência tem admitido a legitimidade passiva e a responsabilidade civil solidária da CEF com o construtor do imóvel.

9. No caso dos autos, verificam-se estarem presentes todos os elementos constitutivos da responsabilidade civil objetiva da CEF, quais sejam: ato ilícito, nexo causal e dano. A perícia técnica realizada nos autos atestou a desconformidade do imóvel com o projeto e com as normas mínimas de construção, destacando-se o grave problema da existência de infiltrações generalizadas, prova contra a qual as Apeladas não se insurgiram.

10. Procedente, portanto, a pretensão reparatória deduzida na inicial, com a consequente condenação solidária da CEF ao pagamento dos valores para restabelecimento do imóvel, nos termos do projeto contratado com a construtora corré, de modo a garantir seu adequado uso e habitabilidade.

11. O dano material suportado pela autora, que deve abranger não só as despesas tidas para restabelecimento do imóvel, como também dos valores despendidos a título de aluguel, durante o período que tiveram que permanecer fora do imóvel.

12. As despesas em questão são decorrência direta dos danos que atingiram o imóvel e obrigaram os autores a desocupá-lo, visando, ainda, a proteção dos princípios constitucionais da moradia e da dignidade da pessoa humana, já que, diante do comprometimento da estrutura do prédio por vício na construção, faz-se necessária a desocupação da unidade habitacional para que as obras de recuperação se realizem, bem como para resguardar a integridade física dos moradores. Precedentes.

13. Não subsiste, todavia, a pretensão da autora quanto à condenação das requeridas ao pagamento dos valores pagos a título de IPTU, e demais despesas listadas na inicial, por serem inerentes à propriedade e posse do imóvel, independentemente de seu estado de conservação.

14. O caso dos autos, em que a autora adquiriu imóvel e foram surpreendidos pela constatação de vícios estruturais que inviabilizam sua imediata utilização, revela situação que ultrapassa os limites de um mero aborrecimento, ensejando o dano moral passível de recomposição.

15. Considerando as circunstâncias específicas do caso concreto, em especial o considerável grau de culpa dos réus e o padrão econômico do imóvel, o montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), se revela razoável para a compensação do dano no caso dos autos, sem importar no indevido enriquecimento dos requerentes.

16. Recurso de apelação a que se dá parcial provimento, para julgar procedentes os pedidos e condenar as rés solidariamente, (a) na obrigação de realizar/custear todos os reparos descritos no laudo pericial, para restabelecimento do imóvel, nos termos da fundamentação supra; (b) ao pagamento de indenização a título de danos materiais, a ser apurado em sede de liquidação de sentença, para custeio de hospedagem da autora e sua família, caso seja necessário seu deslocamento durante o período de execução das obras; (c) ao pagamento de indenização a título de danos morais, no montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), sobre o qual incidirá correção monetária e juros de mora desde a presente data, exclusivamente pela taxa SELIC.

 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso de apelação, a fim de julgar procedentes os pedidos e condenar as rés solidariamente, (a) na obrigação de realizar/custear todos os reparos descritos no laudo pericial, para restabelecimento do imóvel; (b) ao pagamento de indenização a título de danos materiais, a ser apurado em sede de liquidação de sentença, para custeio de hospedagem da autora e sua família, caso seja necessário seu deslocamento durante o período de execução das obras; (c) ao pagamento de indenização a título de danos morais, no montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), sobre o qual incidirá correção monetária e juros de mora desde a presente data, exclusivamente pela taxa SELIC. Por força da sucumbência, condenou as requeridas ao pagamento de honorários advocatícios, que fixou no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, com fulcro no artigo 85, § 2º do CPC/15, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.