Muito se discute sobre a responsabilidade civil por abandono afetivo da criança menor de idade pelos seus pais. O afeto é visto como um sentimento que não pode ser exigido, que não é certo obrigar um pai a amar seu filho, pois o afeto é natural e espontâneo.
Desse modo, as relações existentes dentro do direito de família também seguem o mesmo entendimento supracitado. No entanto, o amor existente entre pais e filhos também necessita de cuidado e de responsabilidade.
Se analisarmos o conceito da palavra amor conforme os gregos antigos reconheciam, compreenderíamos que o amor entre pais e filhos chamado de Storge está relacionado a um amor familiar, um amor que para além de todas as suas definições baseiam-se no cuidado, respeito e responsabilidade entre familiares.
O dever de sustento dos pais
De acordo com a Constituição Federal o dever de cuidado e proteção da criança e do adolescente compete à família, ao estado e a sociedade. Vejamos:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
Nesse mesmo sentido, o estatuto da criança e do adolescente em seu art. 4º também buscou assegurar com prioridade absoluta a efetivação de direitos e proteção à criança e ao adolescente.
Cabe aos pais a obrigação de cuidar de seus filhos, dando total assistência, colocando a salvo de riscos e prezando para que tenham um crescimento saudável.
O Código Civil no art. 1.566, inciso IV, diz que “são deveres de ambos os cônjuges o sustento, guarda e educação dos filhos”.
Acontece que, embora tutelado na legislação o dever que os pais possuem de cuidar de seus filhos, com o fim da sociedade conjugal, muitos pais simplesmente esquecem que, para além da obrigação legal que possuem com o filho, também há a obrigação afetiva.
É certo que não pode obrigar ninguém amar outrem, mas nas relações familiares o afeto muitas vezes está presente de forma subjetiva.
Insta salienta que, em que pese ser mais frequente o abandono afetivo paterno, há caso em que o abandono pode ocorrer por parte da mãe. Assim, quando se fala em abandono afetivo pelos pais, podemos considerar a ocorrência de tal fato por parte de ambos os genitores.
A responsabilidade civil por abandono afetivo
O Código Civil em seu art. 186 diz que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Desse modo, quanto ao entendimento de ser cabível a indenização por danos morais aos pais que deixam de cuidar de sua prole, ainda não foi consolidado, sendo assim, passível de discussão tanto pela doutrina como pelos tribunais.
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A parcela da doutrina que entende haver a responsabilidade civil por abandono afetivo está embasando o entendimento no afeto. Para esses doutrinadores a falta do afeto pode acarretar sérios problemas psicológicos para a criança ou adolescente, assim, o descumprimento desse dever causa a responsabilização.
Em relação aos pais, muitos acreditam que a obrigação legal está apenas em oferecer alimentos, todavia, o dever de pai vai além disso. Entende-se que, quando um pai ou a mãe nega a convivência com o filho está violando princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana e o princípio da afetividade.
Há também uma parte da doutrina que entende não caber dano moral nas relações envolvendo o abandono dos pais, tendo em vista a impossibilidade da comprovação do nexo causal.
Desse modo, para que haja o dano é fundamental a relação entre o nexo causal e a culpa do agente. Assim, se não há como comprovar um dos desses elementos, é difícil imputar a responsabilização civil.
O abandono afetivo e as decisões dos tribunais
A doutrina e a jurisprudência discutem sobre a possibilidade da responsabilização civil por abandono afetivo. É um assunto muito complexo e que está sendo pauta para discussões tanto pela justiça comum, como nas instâncias superiores.
o Tribunal Superior de Justiça (STJ), através do REsp 1087561/RS, tendo como relator o ministro Raul Araújo entendeu cabível a aplicação da responsabilidade civil por dano moral.
De acordo com o ministro, através das provas trazidas nos autos do processo, foi verificado que a criança de 6 anos de idade vivia em condições extremamente precárias, carecendo de cuidados materiais do pai, que apesar de ter condições, não a ajudava, o que fere a integridade física e psíquica da mesma.
Nesse liame, o desembargador Evandro Lopes da Costa Teixeira, da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), condenou um pai a pagar R$ 50 mil reais ao filho a título de indenização por dano moral.
De acordo com o desembargador, houve a configuração do dano, “ainda que no plano emocional”. Conforme as informações prestadas pelo tribunal de justiça, após análise das provas presentes nos autos, entendeu que o pai não pretendia se aproximar do filho, que estava evidente a ausência da figura paterna. Vejamos:
“A despeito de ter contribuído para o nascimento de uma criança, age como se não tivesse participação nesse fato, causando enorme sofrimento psicológico à criança, que cresceu sem a figura paterna a lhe emprestar o carinho e a proteção necessários para sua boa formação”.
Considerando as decisões reconhecendo o abandono afetivo, os ministros da terceira turma do Superior Tribunal de Justiça recomendaram aos magistrados que tivessem prudência ao julgar tais casos.
Tendo em vista a complexidade das relações familiares, é preciso ter cautela para apreciar situações envolvendo abandono afetivo e indenização por dano moral. Tais situações devem ser reconhecidas em caráter de excepcionalidade, conforme depreende o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, compreendemos que quem defende a responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo, entende que a mesma está relacionada com a violação do dever de convivência, de cuidado e, sobretudo, de afeto.
A responsabilização civil por abandono afetivo ainda é objeto de muito debate, não há um entendimento consolidado, e se percebe que os tribunais estão aplicando de forma excepcional, conforme exposto no presente artigo.