O controle de constitucionalidade é um mecanismo instituído pela própria Constituição, a fim de garantir sua força normativa, a partir da identificação, neutralização e exclusão dos atos inconstitucionais do ordenamento jurídico.
Levando-se em conta que o ordenamento jurídico é um sistema, e como tal pressupõe ordem e unidade, além de harmonia entre as partes, a quebra de tal harmonia implicará na utilização do instrumento denominado controle de constitucionalidade, a fim de verificar a compatibilidade entre as leis infraconstitucionais e a Constituição.
Os pressupostos necessários ao controle de constitucionalidade são a supremacia e a rigidez constitucionais.
Direito Comparado e Origem do Controle de Constitucionalidade no Brasil
A origem do controle de constitucionalidade no direito comparado, deve ser analisada levando-se em conta as suas modalidades, difuso e concentrado. O controle difuso tem origem histórica anterior ao controle concentrado.
O controle difuso tem origem nos Estados Unidos da América (EUA), em fevereiro de 1803, a partir da decisão proferida pelo juiz John Marshall da Suprema Corte, no célebre caso Marbury versus Madison.
Ocorre que, no final de 1800, o presidente dos EUA, John Adams, e seus aliados federalistas foram derrotados por Thomas Jefferson, representante da oposição republicana.
Pouco antes de deixar o governo, John Adams nomeou diversos aliados como juízes federais, dentre os quais William Marbury, como juiz de paz. No último dia de governo o presidente assinou os atos de investiduras dos juízes, encarregando seu Secretário de Estado, John Marshall, de entregá-los aos nomeados, o que não conseguiu fazer no tempo hábil, de modo que alguns juízes ficaram sem recebê-los.
Quando Thomas Jefferson assumiu o cargo, seu secretário de Estado, James Madison, instruído pelo presidente, não entregou os atos de investidura dos demais juízes, não efetivando suas nomeações, inclusive a de Marbury, que impetrou writ of mandamus, em 1801, buscando ver reconhecido seu direito à nomeação. Após dois anos, em 1803, a Suprema Corte americana reuniu-se a fim de julgar o célebre caso Marbury versus Madison, que segundo Barroso (2011, p.27): “[...] foi a primeira decisão na qual a Suprema Corte afirmou seu poder de exercer o controle de constitucionalidade, negando aplicação a leis que, de acordo com sua interpretação, fossem inconstitucionais”. O julgamento foi presidido pelo Chief Justice John Marshall, o qual apreciou, dentre outras questões, se deveria prevalecer a lei posterior, que determinava que tal questão deveria ser apreciada pela Suprema Corte, ou a Constituição, anterior à referida lei, que determinava que tal julgamento não era de competência da Suprema Corte. Ao analisar tal questão, Marshall questionou se a Suprema Corte poderia deixar de aplicar uma lei inconstitucional, construindo três grandes pressupostos do controle de constitucionalidade, quais sejam, a supremacia da Constituição, a nulidade da lei que contrarie a Constituição e a competência do Poder Judiciário como intérprete final da constituição.
Marshall decidiu de forma inovadora na lide Marbury versus Madison, pela prevalência da Constituição em face de uma norma infra em caso de conflito, por conta de sua superioridade hierárquica, firmando o princípio da supremacia da Constituição.
Marbury versus Madison, portanto, foi a decisão que inaugurou o controle de constitucionalidade no constitucionalismo moderno, deixando assentado o princípio da supremacia da Constituição, da subordinação a ela de todos os Poderes estatais e da competência do Judiciário como seu intérprete final, podendo invalidar os atos que lhe contravenham. Na medida em que se distanciou no tempo da conjuntura turbulenta em que foi proferida e das circunstância específicas do caso concreto, ganhou maior dimensão, passando a ser celebrada universalmente com o precedente que assentou a prevalência dos valores permanentes da Constituição sobre a vontade circunstancial das maiorias legislativas. (BARROSO, 2011, p. 32)
Já o controle concentrado tem origem com a promulgação da Constituição Austríaca, de 1920, e deve toda sua idealização a Hans Kelsen. O modelo adotado na Áustria era distinto de tudo que se conhecia em termos de controle de constitucionalidade, e previa que o controle seria exercido por órgão criados especialmente para tanto.
No Brasil, o controle de constitucionalidade aparece pela primeira vez na Constituição de 1891, na forma de controle difuso, por influência do direito norte-americano, o qual se manteve até a Constituição de 1988. Na Constituição anterior, qual seja, a de 1824, não foi estabelecida qualquer forma de controle de constitucionalidade, havendo, apenas, a previsão do dogma da soberania do Parlamento, segundo o qual o Poder Legislativo era o competente por dizer o sentido das normas, bem como para resguardar a Constituição.
A Constituição de 1934, manteve o controle de constitucionalidade em sua modalidade difusa, introduzindo uma série de alteração no sistema, dentre as quais pode-se destacar a cláusula de reserva de plenário e a fixação da competência do Senado Federal para atribuir efeito erga omnes às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A Constituição de 1937, tida pelos doutrinadores como um retrocesso, apesar de manter o controle difuso, estabeleceu a possibilidade do Presidente da República, quando julgasse necessário ao bem estar do povo e dos interesses nacionais, submeter, novamente, a declaração de inconstitucionalidade ao Parlamento, tornando-a sem efeito em caso de validação por 2/3 dos membros em cada uma das casas. Tal “hipertrofia do Executivo” (LENZA, 2010, p. 204) foi flexibilizada pela Constituição de 1946, a qual restaurou “a tradição do controle judicial do Direito Brasileiro” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 1040), introduzindo, ainda, a partir da Emenda Constitucional n. 16, de 26 de novembro de 1965, o controle concentrado de constitucionalidade.
Na Constituição de 1967, não houveram grandes inovações em relação ao sistema de controle de constitucionalidade. As mudanças se limitaram à ampliação da representação do Procurador-Geral da República para fins de intervenção e à transferência para o Presidente da República da competência para suspender o ato estadual. Referida Constituição sofreu em 1969 a Emenda n.1, a qual “previu, expressamente, o controle de constitucionalidade de lei municipal, em face da Constituição Estadual, para fins de intervenção no Município (art. 15, §3º, d)” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 1045). A Emenda n. 7 de 1977, por sua vez,
introduziu, ao lado da representação de inconstitucionalidade, a representação para fins de interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual, outorgando ao Procurador-Geral da República a legitimidade para provocar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (art. 119, I, e). […] Finalmente, deve-se assentar que a Emenda n. 7/77 pôs termo à controvérsia sobre a utilização de liminar em representação de inconstitucionalidade, reconhecendo, expressamente, a competência do Supremo Tribunal para deferir pedido cautelar, formulado pelo Procurador-Geral da República (CF de 1967/69, art. 119, I, p). (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 1045)
Por fim temos o controle de constitucionalidade contemplado pela Constituição de 1988, carta magna vigente nos dias atuais, o qual foi significativamente ampliado, através de uma série de inovações.
A constituição de 1988 ampliou o rol de legitimados para propositura de ação direta de inconstitucionalidade (ADI), em sede de controle concentrando, estabelecendo no artigo 103 da Constituição Federal:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V – o Governador do Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Posteriormente o referido rol de legitimados foi estendido à Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), pela Emenda n. 45, de 8 de dezembro de 2004.
Tal Constituição vislumbrou, ainda, o controle constitucional em relação às omissões legislativas, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), em seu artigo 103, §2º, no controle concentrado, e por meio de Mandado de Injunção, em seu artigo 5º, LXXI, no controle difuso.
Instituiu, outrossim, a “recriação da ação direta de inconstitucionalidade em âmbito estadual, referida como representação de inconstitucionalidade (art. 125, §2º)” (BARROSO, 2011, P. 87), o mecanismo de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), a ADC e a redução do âmbito de incidência do recurso extraordinário, apenas às questões constitucionais (art. 102, III).
Importante destacar ainda, em relação ao controle de constitucionalidade na Constituição de 1988, as alterações trazidas pela Emenda n. 45, de 8 de dezembro de 2004, quais sejam, a ampliação do rol dos legitimados da ADC, de modo que se igualassem ao rol da ADI, ficando ambos previstos no artigo 103; e a ampliação de incidência do efeito vinculante, que se referia apenas à ADC e passou a incidir também na ADI, apesar da doutrina do STF e da previsão do artigo 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868 de 1999, senão vejamos:
A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
Pelo exposto, é possível inferir que há
uma nítida tendência no Brasil ao alargamento da jurisdição constitucional abstrata e concentrada, vista por alguns autores como um fenômeno “inquietante”. Para tal direcionamento contribuiu, claramente, a ampliação da legitimação ativa para ajuizamento da ação direta, além de inovações como a ação declaratória de constitucionalidade e a própria arguição de descumprimento de preceito fundamenta. (BARROSO, 2011, P. 89)
Espécies de Inconstitucionalidade
A doutrina contempla classificações diversas no que tange à inconstitucionalidade, a partir de diferentes elementos ou critérios, sejam eles atinentes ao conteúdo da norma, ao tipo de atuação estatal ou ao procedimento que a ocasionou.
A classificação a ser apresentada é aquela tida como a mais importante entre os doutrinadores.
Inconstitucionalidade Formal
É aquela proveniente de inadequações no processo legislativo de feitura da lei ou ato normativo, ou, ainda, de elaboração por autoridade sem competência para tanto.
A inconstitucionalidade formal pode ser dividida, ainda, em inconstitucionalidade formal orgânica, inconstitucionalidade formal propriamente dita e inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato.
Inconstitucionalidade formal orgânica é aquela decorrente da inobservância das regras de competência legislativa para elaboração do ato.
Inconstitucionalidade formal propriamente dita, por sua vez, decorre da inobservância ao processo legislativo adequado, que pode se dar tanto na fase de iniciativa, quanto nas fases posteriores. Ocorrendo na fase de iniciativa, ou seja, se houver vício quanto a quem dá início ao processo legislativo, sendo esse de iniciativa privativa ou exclusiva, por exemplo, denomina-se tal vício como formal subjetivo. Por outro lado, havendo vício nas fases posteriores do processo legislativo, quais sejam, deliberação, votação, sanção ou veto, será denominado vício formal objetivo.
Por fim, a Inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato normativo, origina-se da não observância dos pressupostos, que de acordo com José Canotilho (1993 apud LENZA, 2010, p. 209) são elementos vinculados ao ato legislativo.
Transportando a teoria de Canotilho para o direito brasileiro, valemo-nos de exemplos trazidos por Clèmerson Martins Clève, quais sejam, a edição de medida provisória sem a observância dos requisitos de relevância e urgência (art. 62, caput) ou a criação de Municípios por lei estadual sem a observância dos requisitos do art. 18, §4º. (LENZA, 2010, p. 209)
Inconstitucionalidade Material
A inconstitucionalidade material se dá quando o conteúdo de uma lei ou ato normativo é contrário à Constituição.
Segundo Barroso:
A inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva, entre a lei ou ato normativo e a Constituição. Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional – e. g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) – ou com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5º, caput, e 3º, IV), em desarmonia com o mandamento da isonomia. O controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas (BARROSO, 2011, p. 51)
Inconstitucionalidade por Ação
Decorre de um fazer que afronta a Constituição, de uma conduta comissiva, praticada num órgão estatal qualquer, em desconformidade com a Constituição. Os atos mais relevantes para o controle de constitucionalidade são os emanados do Poder Legislativo.
As condutas passíveis de censura à luz da Constituição podem se originar de órgãos integrantes dos três poderes do Estado. Um ato inconstitucional do Poder Executivo, praticado por agente da administração pública, por exemplo, é suscetível de controle pelo Judiciário. Os próprios atos judiciais sujeitam-se ao exame de sua conformidade com a Constituição, por via dos diferentes recursos previstos no texto constitucional e na legislação processual. Nada obstante, no contexto aqui considerado, os atos relevantes no âmbito do controle de constitucionalidade são aqueles emanados do Poder Legislativo, cuja produção normativa típica é a lei. (BARROSO, 2011, p. 53)
A inconstitucionalidade por ação pode ser formal ou material, nos moldes apresentados anteriormente.
Inconstitucionalidade por Omissão
A inconstitucionalidade por omissão é o não-fazer do legislador diante de uma obrigação de elaborar norma que regulamente as disposições de um comando constitucional, a fim de garantir sua aplicabilidade plena. A omissão pode ser total, quando não houver o cumprimento constitucional do dever de legislar; ou parcial, quando houver lei infraconstitucional, porém de forma insuficiente. A omissão parcial se divide ainda em omissão parcial propriamente dita (a lei existe, mas regula de forma deficiente o texto) ou omissão parcial relativa (a lei existe e outorga determinado benefício a certa categoria, mas deixa de concedê-lo a outra, que deveria ter sido contemplada).
O surgimento da Inconstitucionalidade por omissão se deu com o advento da CF/88 que passou a reconhecer que o desrespeito às normas constitucionais pode advir não só de uma ação, de um ato positivo desconforme, mas também da omissão, quando os órgãos se mantêm inertes, não cumprindo seu dever de elaborar as leis ou atos administrativos normativos imprescindíveis à sua eficácia e aplicabilidade. A Constituição de 1988 cuidou não só de reconhecer essa forma de Inconstitucionalidade, mas de criar “remédios” para combatê-la, quais sejam a ADO e o mandado de injunção.
A omissão só é relevante quando há um dever. Se existe um dever de agir, quando se deixa de agir a inobservância está patente e há a inconstitucionalidade por omissão. A Constituição institui dever de agir diante das normas de eficácia limitada, que são aquelas que requerem regulamentação infraconstitucional para produzir todos os seus efeitos essenciais. Tendo em vista a existência dessas normas e a constatação de que todas as nossas constituições, sem exceção, passaram para a negatividade sem terem sido plenamente regulamentadas, o constituinte de 88 introduziu dois mecanismos com o intuito de combater a “síndrome da inefetividade constitucional”, são eles o mandado de injunção e a ADO.