Diferentes Tipos de Parentesco e Novos Paradigmas Constitucionais

O presente artigo tem o objetivo de analisar os diferentes tipos de parentesco à luz do Código Civil e da Constituição Federal.

Parentesco: conceito e tipos

Clóvis Beviláqua conceitua o parentesco como a relação que vincula entre si as pessoas que descendem do mesmo tronco ancestral. Essa definição está ultrapassada, uma vez que o parentesco não é definido somente pelo critério biológico, como veremos adiante.

Já para o autor Pontes de Miranda, parentesco é a relação que vincula entre si pessoas que descendem umas das outras, ou de autor comum (consanguinidade), que aproxima cada um dos cônjuges dos parentes do outro (afinidade), ou que se estabelece, por fictio iuris, entre o adotado e o adotante.

CONFIRA: O Curso de Família e Sucessões do Instituto de Direito Real, um curso com foco 100% na prática jurídica de varas de família e do cotidiano dos tribunais.

Carlos Roberto Gonçalves conclui definindo da seguinte forma: “a palavra “parentesco” abrange somente o consanguíneo, definido de forma mais correta como a relação que vincula entre si pessoas que descendem umas das outras, ou de um mesmo tronco. Em sentido amplo, no entanto, inclui o parentesco por afinidade e o decorrente da adoção ou de outra origem, como algumas modalidades de técnicas de reprodução medicamente assistida”.

Dessa forma, conforme sustentam os autores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, temos a existência de um tríplice critério de parentalidade: a) o parentesco biológico diz respeito à consanguinidade, decorrendo da vinculação genética entre os parentes, podendo decorrer também de uma fertilização biológica, pelo mecanismo sexual, ou de uma fertilização assistida, homóloga ou heteróloga; b) o parentesco registral identifica, no próprio assento de nascimento, em cartório do registro civil de pessoas naturais, a relação existente entre determinadas pessoas, apresentando uma presunção (relativa) para a produção de certos efeitos e o c) parentesco socioafetivo que deflui de um vínculo estabelecido, não pelo sangue, mas pela relação cotidiana de carinho, respeito e solidariedade entre determinadas pessoas que se tratam, reciprocamente, como parentes.

Rolf Madaleno argumenta que são parentes as pessoas que descendem umas das outras ou de um tronco comum, e, no caso da afinidade, o que aproxima cada um dos cônjuges aos parentes do outro, e também há vínculo de parentesco na relação estabelecida por ficção jurídica entre o adotado e o adotante, subdividindo-se o parentesco em: a) consanguíneo ou natural, quando as afinidades decorrem das relações de sangue; b) por afinidade, quando resultante dos vínculos de casamento ou da união estável, onde o elo se forma entre um componente da entidade familiar e os familiares do outro parceiro e, por fim; c) o parentesco civil emanado dos vínculos de adoção.

A Constituição Federal trouxe o pluralismo familiar no §6º do artigo 227, na medida em que dispõe que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Importante observar que outro princípio originado do artigo acima é o princípio da igualdade substancial entre os filhos, vedando qualquer tipo de discriminação entre os filhos adotivos e os filhos biológicos.

O Código Civil, no seu artigo 1.593, dispõe que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.

Conforme o Enunciado nº 103 da Jornada de Direito Civil, “o Código Civil reconhece, no artigo 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental decorrente das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou a mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho”.

LEIA TAMBÉM:

Nesse mesmo entendimento, encontra-se pacificado no Superior Tribunal de Justiça os novos critérios de parentesco, que segue:

“O Superior Tribunal de Justiça ampliou a possibilidade de reconhecimento de relação de parentesco, nos moldes da moderna concepção de Direito de Família. A pretensão dos autores de, através de declaratória, buscar estabelecer, com provas hábeis, a legitimidade e certeza da relação de parentesco não caracteriza hipótese de impossibilidade jurídica do pedido” (STJ, REsp. 326.136, Relatora Ministra Nancy Andrighi. DJU 20.06.05). (grifo nosso)

Parentesco e Família

O conceito de família está sempre em constante mudança e, por isso, é interessante observar que o Poder Judiciário acompanha essa evolução do conceito de família, na medida em que entende a possibilidade da existência de família mesmo sem a presença de ascendentes, conforme segue trecho da decisão do Recurso Especial nº 1.217.415:

(...) o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas (...). O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares (...). Nessa senda, a chamada família anaparental - sem a presença de um ascendente -, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, §2, do Estatuto da Criança e do Adolescente (...). (STJ, RESP. N. 1.217.415/RS, 3ª Turma, Min. Rel. Nancy, D.J. 19/06/2012) (grifo nosso)

Assim, o autor Pontes de Miranda sustenta que família e parentesco são categorias diferentes, pois o cônjuge pertence à família e não é parente do outro consorte, embora seja afim dos parentes consanguíneos do outro cônjuge ou do companheiro, no caso de união estável, uma vez que a afinidade também se estabelece no instituto da união estável (art. 1.595 do Código Civil).

CONFIRA: O Curso de Família e Sucessões do Instituto de Direito Real, um curso com foco 100% na prática jurídica de varas de família e do cotidiano dos tribunais.

Em suma, segundo Colin e Capitant a diferença do conceito entre família e parentesco, é que este último resulta da comunidade de sangue, e a família seria um grupo social organizado pelo legislador e no interesse do Estado.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, v. 2, obs. ao art. 330.

COLIN, Ambrosio e CAPITANT, Henri. Curso Elemental de Derecho Civil 3. Editora Madrid, p. 585.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. Editora Saraiva, p. 273.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. Campinas: Bookseller, pgs. 21 e 24.

MADALENO, Rolf. Direito de Família, 2020. Editora Forense, p. 864.

ROSENVALD, Nelson e DE FARIAS, Cristiano Chaves. Curso de Direito Civil – Famílias, 2017. Editora Juspodivm, pgs. 538, 539.