Juiz Não Pode Arbitrar o Valor de Imóvel Penhorado Tendo como Base a Regra da Experiência

Por Giovanna Fant - 27/04/2024 as 16:26

A utilização do conhecimento técnico ou científico do juiz, dispensando a perícia, só é autorizada nos casos em que o fato se fundar na experiência da aceitação geral.

Com isso, a Terceira Turma do superior Tribunal de Justiça reformou o acórdão que fixa o valor de imóvel penhorado, em processo executório, baseado na regra da experiência, com dispensa da perícia técnica. 

Entenda o Caso

A execução interposta contra a Associação Universitária Santa Úrsula tratava sobre dívidas no valor de R$ 325 mil provenientes de um contrato de fomento mercantil. No decorrer da execução, houve a penhora do imóvel, avaliado em R$ 101, 5 milhões. 

Logo, a associação recorreu, alegando que o bem foi avaliado pela Justiça Trabalhista em R$ 390 milhões. Com isso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) proveu parcialmente o recurso, fixando o valor do bem em R$ 150 milhões, valor calculado pela prefeitura. Com a dispensa da perícia, o desembargador relator estabeleceu a decisão baseada no artigo 375 do Código de Processo Civil (CPC), que autoriza o juiz a se basear nas regras da experiência comum para o julgamento.

Decisão do Relator

De acordo com o ministro Moura Ribeiro, relator do recurso do STJ, essas regras, previstas no CPC, determinam um conjunto de juízos, estes que podem ser formulados a partir da observação do caso. Explicou, ainda, que as regras cumprem algumas funções no processo, auxiliando o juiz no entendimento e interpretação das alegações e dos depoimentos das partes, visando a melhor compreensão de expressões e palavras em locais e circunstâncias específicos. 

Visto isso, salientou que se pode confirmar o auxílio das regras na aplicação de enunciados normativos abertos, estabelecendo e clarificando conceitos jurídicos indeterminados. 

Entretanto, o relator observou que as regras da experiência não se confundem com o entendimento pessoal a respeitos de fatos concretos, apesar de constituírem conhecimentos próprios do juiz. 

Ressaltou que os conhecimentos técnicos não universalizados exigem prova específica, como previsto ao final do artigo 375 do CPC. Para o ministro, no caso em questão, não se pode afirmar que o valor do imóvel penhorado constitui matéria de conhecimento público.

Em seu entendimento, Moura Ribeiro alega que o homem médio não é capaz de afirmar se o bem vale o valor indicado pelo perito, pela Justiça do Trabalho ou pelo desembargador do TJRJ.

Número do Processo

1.786.046

 

Ementa

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE IMÓVEL PARA PAGAMENTO DA DÍVIDA. DISCUSSÃO ACERCA DO VALOR DA AVALIAÇÃO. APLICAÇÃO DAS REGRAS OU MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PERÍCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Discute-se nos autos se o imóvel penhorado para pagamento da dívida deve ser avaliado necessariamente por perícia ou se, ao contrário, pode seu valor ser fixado pelo próprio julgador com base nas máximas da experiência de que trata o art. 375 do CPC.

2. As regras (ou máximas) da experiência designam um conjunto de juízos que podem ser formulados pelo homem médio a partir da observação do que normalmente acontece. Reúnem proposições muito variadas, que vão desde conhecimentos científicos consolidados como o de que corpos metálicos dilatam no calor até convenções mais ou menos generalizadas, como a de que as praias são mais frequentadas aos finais de semana.

3. Muito embora constituam um conhecimento próprio do juiz, não se confundem com o conhecimento pessoal que ele tem a respeito de algum fato concreto, em relação ao qual, exige-se, de qualquer forma, a produção de prova específica, sob o crivo do contraditório.

4. Conquanto se possa admitir que o Desembargador Relator do acórdão recorrido, por conhecer o mercado imobiliário do Rio de Janeiro e também o imóvel penhorado, pudesse saber o seu real valor, não há como afirmar que essa seja uma informação de conhecimento público.

5. Impossível sustentar, nesses termos, que o bem penhorado podia ser avaliado sem produção de prova pericial, pelo próprio julgador, com base no art. 375 do CPC. 6. Recuso especial provido.

 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 09 de maio de 2023.

Ministro MOURA RIBEIRO

Relator