Operação Faroeste: Juiz Instrutor Pode Atuar em Ação Penal Contra Desembargador

​​Ao rejeitar nesta quarta-feira (1º) uma série de recursos interpostos por investigados na Operação Faroeste – que apura suposto esquema de venda de decisões judiciais para permitir a grilagem de terras no Oeste da Bahia –, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que não há ilegalidade na convocação de juiz de primeiro grau para atuar em ação penal contra réu que ocupa o cargo de desembargador.

Entre os investigados na operação, estão desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), além de empresários e ex-assessores do tribunal baiano. 

Nos últimos recursos apresentados à Corte Especial, dois desembargadores alegaram que o juiz instrutor convocado pelo ministro relator, Og Fernandes, não teria competência para a prática de atos no local onde foram marcados os atos de instrução. Além disso, alegaram que juízes de primeiro grau não poderiam conduzir investigação no âmbito de ação penal contra magistrados de segundo grau. 

Og Fernandes destacou que o artigo 3º, inciso III, da Lei 8.038/1990 e o artigo 21-A do Regimento Interno do STJ autorizam a convocação de juízes vitalícios de varas criminais da Justiça estadual e da Justiça Federal para a realização do interrogatório e de outros atos de instrução, na sede do tribunal ou no local onde o ato será produzido.

Nesse sentido, o relator destacou que o juiz instrutor, nas ações penais, funciona como um longa manus do ministro – que continua responsável pela condução e supervisão do processo –, de forma que a delegação não envolve a prática de atos decisórios pelo magistrado instrutor.

"Não há a necessidade de convocação de magistrado de instância igual ou superior àquela dos denunciados", comentou o relator ao lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) também utiliza os juízes convocados para a prática de atos de instrução.

 

Interrogatório do Corréu Colab​​​orador

No mesmo julgamento, o colegiado manteve decisão monocrática do relator que indeferiu pedido de interrogatório de corréu colaborador antes da oitiva das testemunhas de defesa.  

O ministro Og destacou que o STF reconheceu o direito de os réus delatados se manifestarem, por alegações finais, apenas após os réus colaboradores, considerando todos os acusados como integrantes do polo passivo do processo penal.  

Entretanto, segundo o magistrado, o Supremo não firmou a compreensão de que os colaboradores abandonam sua posição processual de réus para atuarem como assistentes de acusação.

Além disso, o relator lembrou que o artigo 270 do CPP estabelece que o corréu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público.

 

Corréus Colaboradores Continuam Sujeitos ​​​à Persecução Penal

Og Fernandes enfatizou que o réu colaborador, apesar de adotar estratégia de defesa distinta dos corréus, continua sujeito aos efeitos da eventual condenação criminal, pois contra ele continua recaindo uma pretensão acusatória estatal.

"Ele não renuncia o seu direito de defesa, mas apenas ao seu direito ao silêncio, submetendo-se ao compromisso legal de dizer a verdade, nos termos da Lei 12.850/2013, artigo 4º, parágrafo 14", apontou o ministro.

Em seu voto, o relator também sublinhou que o interrogatório dos acusados como ato final da instrução probatória (artigo 400 do CPP) forma a "espinha dorsal" de uma sistemática processual penal que, mesmo após a edição da Lei 12.850/2013 e das sucessivas minirreformas legislativas, foi mantida intacta pelo legislador.

"A manutenção da sistemática legal de produção probatória não acarretou qualquer prejuízo à defesa dos agravantes, razão pela qual não há falar em nulidade do ato, tal como estabelece o artigo 563 do CPP", concluiu.

 

Questão de Ordem par​a Decidir Afastamento

Na sessão, a Corte Especial também manteve o afastamento do desembargador Gesivaldo Nascimento Britto do exercício de suas funções no TJBA. Por meio de agravo, ele questionava o uso, pelo colegiado, de questão de ordem para prorrogar a medida cautelar de afastamento.

De acordo com Og Fernandes, o término do prazo de afastamento sem a apreciação pela Corte Especial teria como resultado o retorno do réu ao exercício do cargo de desembargador, o que poderia gerar "instabilidade e desassossego" na composição e nos julgamentos do TJBA.

Ademais, o ministro ressaltou que o procedimento usual no STJ para a apresentação do pedido de afastamento da função pública do investigado é a questão de ordem, na forma do artigo 91 do Regimento Interno do tribunal. 

 

Número do Processo

APn 940

 

Ementa

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. OPERAÇÃO FAROESTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. ACESSO A POSTERIOR ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA DE CORRÉU. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CONSTATAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DE CRIMES. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. INVESTIGAÇÕES NÃO CONCLUÍDAS. ÓBICE INEXISTENTE. DOCUMENTOS NOVOS JUNTADOS DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Trata-se de agravo regimental interposto por Adailton Maturino dos Santos e Geciane Souza Maturino dos Santos, no qual se pleiteia a anulação de todos os atos processuais, desde a data da homologação do acordo de colaboração premiada de corréu.

2. O acordo de colaboração premiada não deu origem à Operação Faroeste, mas, ao contrário, foi a evolução da investigação que motivou um dos investigados a se tornar colaborador da Justiça.

3. Não há, nos autos desta ação penal, nenhuma pretensão acusatória fundamentada nos relatos do colaborador.

4. Diante de uma aparente engrenagem criminosa complexa, o Ministério Público Federal adotou a linha estratégica de “fatiar” a acusação, formalizando várias denúncias autônomas, algumas das quais contendo menção expressa à colaboração premiada, o que não é o caso da presente ação penal.

5. Nada obstante, os recorrentes já possuem acesso integral aos autos da colaboração premiada, sem que, até o presente momento, tenham sido capazes de indicar situação concreta de prejuízo à defesa apta a afastar a aplicação do princípio pas de nullité sans grief.

6. Não há obrigatoriedade, legal ou jurisprudencial, de conclusão do inquérito antes de iniciada a ação penal. O titular da ação penal é livre para oferecer denúncia criminal tão logo entenda presentes indícios de autoria e materialidade dos fatos investigados, ainda que as investigações ainda estejam em andamento. Precedente.

7. Tanto as respostas à acusação, quanto a análise da denúncia pela Corte Especial, foram realizadas com base nos documentos até então existentes nos autos. Eventuais documentos juntados após a formalização da relação processual penal servirão apenas para instruir a ação penal.

8. É admissível a juntada de nova prova aos autos durante a instrução criminal. Precedente.

9. Os denunciados tiveram acesso franqueado à integralidade de todos os procedimentos relacionados à presente ação penal desde o seu nascedouro.

10. Os relatórios de inteligência da Polícia Federal juntados aos autos após o recebimento da denúncia constituem documentos novos, que têm sido produzidos conforme a capacidade operacional de análise da autoridade policial. Tão logo são juntados aos autos, os recorrentes obtêm pleno acesso a todo o seu conteúdo, de maneira a possibilitar o exercício absoluto do direito de defesa, razão pela qual não há que se falar em violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

11. Agravo regimental a que se nega provimento.

 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Licenciado o Sr. Ministro Felix Fisher.

Brasília, 16 de junho de 2021.

HUMBERTO MARTINS

Presidente

OG FERNANDES

Relator

 

Fonte

STJ