TJRJ Absolve Acusado com Base na Teoria da Perda de Uma Chance

Ao julgar o Recurso de Apelação interposto em razão da condenação por lesão corporal simples e ameaça no âmbito da violência doméstica, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro absolveu o acusado com base na teoria da perda de uma chance.

 

Entenda o Caso

O acusado foi condenado por lesão corporal simples e ameaça no âmbito da violência doméstica, previstos nos artigos 129, § 9° e 147, c/c artigo 61, inciso II, alínea “f”, na forma do artigo 69, todos do Código Penal à pena de 4 meses e 5 dias de detenção.

Na sentença, foi concedido o sursis, na forma do artigo 77 do código penal.

A defesa interpôs recurso assentando “[...] requerendo a absolvição do acusado, ao argumento de insuficiência probatória, na forma do artigo 386, incisos vi in fine, e vi, ambos do código de processo penal”.

Decisão do TJRJ

A 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com voto do Desembargador Relator Siro Darlan de Oliveira, deu provimento ao recurso.

Isso porque constatou que a materialidade delitiva foi demonstrada por meio do registro de ocorrência, do auto de prisão em flagrante, do laudo de exame de lesão corporal, no entanto, que a autoria não ficou comprovada.

No caso, destacou “[...] o relato da vítima colhido tão somente em sede inquisitiva e não repetido em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa”.

Ainda, consignou que um dos policiais, em depoimento, não se recordou dos fatos, e o outro policial não presenciou as agressões “[...] tendo realizado relato vago no que concerne à imputação de ameaça”.

Assim, mesmo considerando o teor da súmula 70 do TJRJ, ressaltou que “[...] os depoimentos dos policiais não podem ser utilizados como prova única, devendo ser corroborados por outras provas nos autos”.

Nessa linha, mencionou que a vítima não foi encontrada para prestar depoimento em juízo.

Pelo exposto, ante a ausência de provas “aptas a sustentar o decreto condenatório”, assentando que não pode a condenação ser fundamentada “exclusivamente em elementos colhidos na investigação”, foi aplicada a teoria da perda de uma chance probatória e absolvido o réu, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

 

Número do Processo

0005914-08.2021.8.19.0001 Segredo de Justiça

 

CONFIRA: "Violência Contra Mulheres Surdas" por Sarah Carvalho Cabral

 

Acórdão

APELAÇÃO. CRIMINAL. PENAL. PROCESSO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES DE LESÃO CORPORAL SIMPLES E AMEAÇA. ARTIGOS 129, § 9° E 147, C/C ART 61, INCISO II, ALÍNEA `F¿, NA FORMA DO ARTIGO 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA DENÚNCIA PARA CONDENAR O ORA APELANTE À PENA DE 4 (QUATRO) MESES E 5 (CINCO) DIAS DE DETENÇÃO, CONCEDENDO-LHE O SURSIS, NOS TERMOS DO ARTIGO 77 DO CÓDIGO PENAL. RECURSO DEFENSIVO REQUERENDO A ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO, AO ARGUMENTO DE INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA, NA FORMA DO ARTIGO 386, INCISOS VI IN FINE, E VI, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ASSISTE RAZÃO À DEFESA. A MATERIALIDADE DELITIVA FOI DEMONSTRADA NOS AUTOS ATRAVÉS DO REGISTRO DE OCORRÊNCIA (PASTA 7), AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE (PASTA 18), LAUDO DE EXAME DE LESÃO CORPORAL (PASTA 38). A AUTORIA, CONTUDO, NÃO FICOU COMPROVADA. RELATO DA VÍTIMA COLHIDO TÃO SOMENTE EM SEDE INQUISITIVA E NÃO REPETIDO EM JUÍZO, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. DEPOIMENTO DE UMA TESTEMUNHA, O POLICIAL CLAYTON, QUE SEQUER SE RECORDA DOS FATOS, E A OUTRA, O POLICIAL CARLOS ROBERTO, NÃO PRESENCIOU AS AGRESSÕES, TENDO REALIZADO RELATO VAGO NO QUE CONCERNE À IMPUTAÇÃO DE AMEAÇA. ESTE RELATOR NÃO DESCONHECE O TEOR DA SÚMULA 70 DESTE E. TRIBUNAL, PORÉM OS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS NÃO PODEM SER UTILIZADOS COMO PROVA ÚNICA, DEVENDO SER CORROBORADOS POR OUTRAS PROVAS NOS AUTOS. IN CASU, A VÍTIMA NÃO FOI ENCONTRADA PARA PRESTAR DEPOIMENTO EM JUÍZO, E OS POLICIAIS NÃO PRESENCIARAM A DINÂMICA DOS FATOS. ADEMAIS, NÃO EXISTEM OUTRAS PROVAS APTAS A SUSTENTAR O DECRETO CONDENATÓRIO, PRODUZIDAS EM SEDE JUDICIAL, COM OBSERVÂNCIA DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. O ARTIGO 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ORIENTA QUE O JUIZ FORMARÁ SUA CONVICÇÃO PELA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA EM CONTRADITÓRIO JUDICIAL, NÃO PODENDO FUNDAMENTAR SUA DECISÃO EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS COLHIDOS NA INVESTIGAÇÃO. COMO É SABIDO, O ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO PENAL É DA ACUSAÇÃO QUE DEVE PRODUZIR AS PROVAS EM JUÍZO, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. O MINISTÉRIO PÚBLICO, PODENDO PRODUZIR PROVAS POSSÍVEIS E ESSENCIAIS PARA A ELUCIDAÇÃO DOS FATOS - A EXEMPLO DA OITIVA DA VIZINHA, QUE SUPOSTAMENTE OS PRESENCIOU - NÃO O FEZ. ASSIM, APLICA-SE A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE PROBATÓRIA. DIANTE DO CENÁRIO DE INCERTEZAS QUE PAIRAM NOS AUTOS, IMPERIOSA A ABSOLVIÇÃO DO APELANTE, APLICANDO-SE O PRINCÍPIO DO FAVOR REI. POR TODO O EXPOSTO, VOTO NO SENTIDO DE CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO, PARA ABSOLVER O RÉU DE AMBAS AS IMPUTAÇÕES, COM FUNDAMENTO NO ART. 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.