TJRJ Suspende Decisão Sobre Doação que Invade Legítima de Herdeiros

Ao julgar o agravo de instrumento interposto contra decisão proferida no inventário, que identificou doação que teria invadido a legítima de herdeiros, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu provimento e suspendeu a decisão, afirmando que o Acórdão na ação anulatória de ausência de consentimento e validade da Procuração, utilizada para a celebração da doação, declarou válido o ato de liberalidade.

 

Entenda o Caso

O agravo de instrumento foi interposto contra a decisão proferida no inventário, que “[...] remeteu os autos ao Partidor, porque identificou doação que teria invadido a legítima de herdeiros - mesmo diante de Acórdão que, transitado em julgado, declarou válido o ato de liberalidade -, de modo que houve adiantamento, fato que classifica como ‘cristalino’”.

O espólio e as donatárias agravaram, alegando “[...] que o ônus de provar tais fatos é da parte que alega a invasão da legítima, o que não foi feito”. E que “[...] o inventário não pode prosseguir, antes de se apurar efetivamente a dita ilegalidade”.

A ação anulatória de doação às herdeiras, filhas do primeiro casamento, teve como causa de pedir “[...] a ausência de consentimento e validade da Procuração utilizada para a celebração da doação, doação esta que supostamente teria sido realizada à revelia do doador.”, sendo julgada improcedente.

 

Decisão do TJRJ

A 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob voto do Desembargador Relator Gilberto Campista Guarino, deu provimento ao recurso, deferindo o efeito suspensivo.

Isso porque esclareceu que:

[...] além de levantar séria questão processual, envolvendo os motivos do v. Acórdão e os limites objetivos da coisa julgada material, ponto este que exige criteriosa ponderação, a interlocutória levanta questão sobre ônus probatório e aventa a possibilidade da produção de prova pericial (mas apenas se houver dificuldade em se determinar “o valor do excesso de doação”), dando como “cristalina” a prova mesma do excesso, que, todavia, não se logra observar presente, porquanto não existe fundamentação apresentada no recurso.

Assim, com base no inciso IX do art. 93 da Constituição da República, que exige a motivação das decisões judiciais, deu provimento ao recurso aplicando o efeito suspensivo ao agravo de instrumento e suspendendo a eficácia da decisão.

 

Número do Processo

0012495-74.2014.8.19.0004

 

Decisão

 Vistos etc... 01. Tem-se agravo de instrumento da decisão que, em procedimento especial (inventário), remeteu os autos ao Partidor, porque identificou doação que teria invadido a legítima de herdeiros - mesmo diante de Acórdão que, transitado em julgado, declarou válido o ato de liberalidade -, de modo que houve adiantamento, fato que classifica como “cristalino.” (Sic). 02. Irresignados, agravam o espólio e as donatárias (razões de fls. 02 a 12, indexador n.º 02), alegando, em síntese, a validade judicialmente decidida, aduzindo que a interlocutória ignorou a fase de averiguação do patrimônio do hereditando, “à época da doação”. 03. Aduzem que o ônus de provar tais fatos é da parte que alega a invasão da legítima, o que não foi feito. 04. Por derradeiro, sustentam que o inventário não pode prosseguir, antes de se apurar efetivamente a dita ilegalidade. 05. À conta desses, postulam a concessão de efeito suspensivo ao recurso (art. 1.019, I do Código de Processo Civil), até que seu mérito seja julgado. BREVEMENTE RELATADOS, DECIDO. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 06. A questão está longe de ser simples e, até o momento, não tem nenhuma clareza. 07. Com efeito, leia-se o seguinte excerto da interlocutória de fls. 518 a 519 (índice eletrônico n.º 518) dos autos do Processo n.º 0012927-88.2003.8.19.0001: “A ação anulatória do doação às herdeiras PATSY SCHLESINGER e ELKE SCHLESINGER, filhas do primeiro casamento, referente a ½ do imóvel situado à Rua Cosme Velho nº 639, bloco 2, apto. 606, Freguesia da Glória, teve o pedido julgado improcedente, com acórdão transito em julgado ( cópia Index 494 e 497). A causa de pedir da referida ação foi apenas a ausência de consentimento e validade da Procuração utilizada para a celebração da doação, doação esta que supostamente teria sido realizada à revelia do doador. Como mencionou a Juíza prolatora da sentença, cuja cópia se encontra acostada em index 494, o desrespeito à legítima não integrou a causa de pedir, mas o Juízo Orfanológico "deve se manifestar sobre eventual excesso de doação naquele feito em apenso e, eventualmente proceder-se a redução da doação". Nestes autos é cristalino salientar que a doação feita, apesar de válida diante do Acórdão, atingiu a legítima. O imóvel deve ser trazido à colação, para que seja partilhado com as herdeiras Lindsay e Vicky, diante do excesso da doação. (...) Fato é que o ônus da prova deve realmente ser de quem alega (quanto ao valor do excesso), mas o fato não exonera a inventariante de dar andamento no feito, razão pela qual deixo de acolher os embargos de declaração. De qualquer forma, deve os autos irem “(sic) ao Partidor, sendo certo que se houver dificuldade no sentido de verificar o valor do excesso de doação, ou impossibilidade por parte do mesmo, haverá nomeação de perícia técnica.” (Sublinha-se). ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 08. Ora, além de levantar séria questão processual, envolvendo os motivos do v. Acórdão e os limites objetivos da coisa julgada material, ponto este que exiger criteriosa ponderação, a interlocutória levanta questão sobre ônus probatório e aventa a possibilidade da produção de prova pericial (mas apenas se houver dificuldade em se determinar “o valor do excesso de doação”), dando como “cristalina” a prova mesma do excesso, que, todavia, não se logra observar presente, porquanto não existe fundamentação apresentada no recurso. 09. Ora... o inciso IX do art. 93 da Constituição da República é uma regra, a traduzir princípio basilar do modelo de Processo Civil adotado pelo Estado brasileiro. 10. Fica isso claro, em boa doutrina, valendo se consulte o escólio, de perfeita atualidade, de FREDIE DIDIER JR., em “Curso de Direito Processual Civil”, v. 2, Salvador, “Juspodivm”, 2007, pp. 227-228: “A garantia da motivação das decisões judiciais possui natureza de direito fundamental do jurisdicionado. A própria Constituição Federal, sem eu art. 93, IX, estabelece que toda decisão judicial deve ser motivada e, fugindo um pouco à sua linha, normalmente principiológica e descritiva, prescreve norma sancionadora, cominando pena de nulidade para as decisões judiciais desmotivadas. Ainda, porém, que não houvesse expressa disposição constitucional nesse sentido, o princípio da motivação não deixaria de ser um direito fundamental do jurisdicionado, eis que é consectário da garantia do devido processo legal e manifestação do Estado de Direito.” 11. Cabe, ainda, trazer a pelo a sempre atual lição do saudoso Mestre JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, na clássica obra ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO “Temas de Direito Processual: segunda série” (São Paulo: Saraiva, 1980, p. 95): “1.ª) A motivação das decisões judiciais, como expressão da “justificação formal” dos atos emanados do poder a que compete, por excelência, a tutela da ordem jurídica e dos direitos subjetivos, constitui garantia inerente ao Estado de Direito. 2.ª) O princípio de que as decisões judiciais devem ser motivadas aplica-se aos pronunciamentos de natureza decisória emitidos por qualquer órgão do poder Judiciário, seja qual for o grau de jurisdição, sem exclusão dos que possuam índole discricionária ou se fundem em juízos de valor livremente formulados.” (Sublinha-se). 12. Por fim, é importante frisar, a natureza de cognição sumária da fase procedimental do recurso. 13. Tudo bem ponderado, defiro efeito suspensivo ao agravo de instrumento, suspensa, pois, a eficácia da decisão. 14. Oficie-se, de ordem, comunicando-a e requisitando informações claras. 15. Intimem-se os agravados, para que contraminutem. 16. A seguir, conclusos para julgamento. Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2020. Desembargador GILBERTO CAMPISTA GUARINO Relator