TRF1 Analisa Parecer da Comissão Sobre Autodeclaração em Concurso

Por Elen Moreira - 07/06/2022 as 10:23

Ao julgar a apelação interposta o Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento assentando que a comissão de heteroidentificação, designada para avaliar a veracidade das autodeclarações de candidatos pretos ou pardos, não pode aprovar os requisitos para concorrer às vagas reservadas em um concurso e reprovar em outro, principalmente se promovidos pela mesma banca.

 

Entenda o Caso

A comissão que verifica a veracidade das autodeclarações (candidatos pretos ou pardos) concluiu que a aparência da candidata “[...] não seria compatível com os requisitos do edital, por não apresentar características fenotípicas de pessoas negras, concluindo, então, por sua eliminação do concurso”.

Os recursos foram interpostos contra a sentença que acolheu o pedido subsidiário da impetrante, assim decidindo:

[...] para determinar à EBSERH que inclua a impetrante [...] na lista final de candidatos aprovados para as vagas de ampla concorrência do cargo 16 (Assistente Administrativo) com base na sua nota final, respeitada a ordem de classificação, caso tenha pontuação suficiente, considerando-se a nota de corte, permanecendo, todavia, excluída da lista específica para candidatos negros ou pardos.

O pedido foi acolhido para que a autoria “[...] continuasse participando do concurso nas vagas destinadas à ampla concorrência, ao argumento de que ela somente poderia ter sido excluída da listagem geral caso ficasse evidenciada fraude na sua declaração, o que não seria o caso dos autos”.

Nas razões, a impetrante insistiu no pedido principal, afirmando que os requisitos para concorrer às vagas reservadas a candidatos negros já teriam sido preenchidos em outro concurso realizado pela mesma banca.  

Na apelação adesiva, a EBSERH alegou a “[...] impossibilidade de manutenção da apelante nas vagas destinadas à ampla concorrência ‘[...] em decorrência do artigo 2º, parágrafo único da Lei nº. 12.990/2014 c/c artigo 11 da Portaria Normativa nº. 04, de 06 de abril de 2018 do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão’”.

Do dispositivo, a recorrente assevera que “[...] mesmo que esteja de boa-fé, o candidato cuja autodeclaração não seja confirmada será automaticamente eliminado do concurso público, não podendo sequer constar da listagem referente à ampla concorrência”.

 

Decisão do TRF1

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sob voto do Juiz Federal Convocado Paulo Ricardo de Souza Cruz, deu provimento ao recurso da candidata.

Analisando o direito da candidata autodeclarada parda de concorrer a vaga reservada a cotista, após reprovação pela comissão de heteroidentificação, consignou que não consta ilegalidade no procedimento de verificação realizado pela comissão designada.

No entanto, considerou que “[...] não há como aceitar que a recorrente, em 2017, tenha sido aprovada como cotista em concurso da EBSERH e, pouco tempo depois, em 2018, não tenha sido reconhecida como pessoa parda em processo seletivo da mesma instituição, porém referente a curso diverso”.

Sendo assim, foi reconhecido o direito da impetrante “[...] de concorrer às vagas reservadas a candidatos negros no concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva em cargos de nível superior e de nível médio/técnico [...]”.

 

Número do Processo

1016043-82.2018.4.01.3400

 

Ementa

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. VAGAS RESERVADAS. CANDIDATOS NEGROS. HETEROIDENTIFICAÇÃO. ELIMINAÇÃO. APROVAÇÃO EM PROCESSO SELETIVO ANTERIOR DA MESMA INSTITUIÇÃO. FALTA DE RAZOABILIDADE. ILEGALIDADE DO ATO DE EXCLUSÃO DA IMPETRANTE. SENTENÇA PARCIALMENTE  REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA.

1. Revela-se desprovida de razoabilidade a decisão de Comissão de Verificação de Autodeclaração no sentido de que o candidato não preenche as características fenotípicas exigidas para a ocupação de vaga reservada a candidato cotista (pardo) quando referida condição já foi reconhecida anteriormente pela mesma instituição para fins de aprovação em concurso distinto. Nesse mesmo sentido: AC 1009965-13.2020.4.01.3300, Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, Quinta Turma, PJe 20/10/2021; AMS 1002074-52.2018.4.01.3803, Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, Sexta Turma, PJe 12/08/2021.

2. Na espécie, embora a impetrante tenha sido anteriormente aprovada, no ano de 2017, como cotista no concurso público nº 4/2016 - EBSERH/Hospital Universitário de Lagarto da Universidade Federal de Sergipe – HUL/ UFS (resultado publicado no edital nº 66, de 14 de março de 2017), em 2018 veio a ser reprovada pela comissão de heteroidentificação em concurso da mesma instituição, em razão de não ter sido considerada parda, após se submeter ao procedimento de verificação de sua autodeclaração.

3. Apesar de os concursos em questão envolverem bancas examinadoras diferentes, considerando-se tratar da mesma instituição realizadora do certame (EBSERH), aplica-se por analogia ao caso o entendimento de que, “se o candidato foi considerado negro para fins de concorrência pelo sistema de cotas raciais em concurso público pretérito organizado pela mesma banca examinadora, faz jus à mesma conclusão em certame realizado pouco tempo depois, sob pena de violação dos princípios da razoabilidade e da isonomia” (AMS 1022834-33.2019.4.01.3400, Juiz Federal Ilan Presser, Quinta Turma, PJe 07/08/2020).

4. Apelação da impetrante  a que se dá provimento para reconhecer o seu direito de figurar na lista de aprovados no certame nas vagas destinadas a pessoas negras (pretas e pardas).

 5. Remessa necessária, tida por interposta, a que se nega provimento. Recurso adesivo da EBSERH prejudicado. 5. Não cabimento de condenação em honorários advocatícios na espécie, nos termos do era. 25 da Lei 12.016/2009.

 

Acórdão

Decide a Quinta Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação da impetrante e negar provimento à remessa necessária, tida por interposta,  ficando prejudicado o recurso adesivo da EBSERH, nos termos do voto do relator.

Brasília-DF, 4 de maio de 2022.  

Juiz Federal PAULO RICARDO DE SOUZA CRUZ

Relator Convocado