Ao julgar a apelação interposta em decorrência de sentença que reconheceu a prescrição quinquenal da pretensão, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região reformou a decisão e fixou, a título de indenização por dano moral, o valor de R$ 3.000,00 por ano de exposição desprotegida, diante da comprovação da exposição da assistente administrativa ao diclorodifeniltricloretano (DDT).
Entenda o Caso
Foi interposta apelação contra sentença proferida nos autos da ação em que se pretende o pagamento de indenização por danos morais decorrente de contaminação por substâncias tóxicas por exposição desprotegida durante o exercício das funções laborais na função de Agente Administrativa.
A decisão julgou improcedente o pleito autoral, sob o fundamento de não comprovação dos danos morais.
Nas razões, a apelante alegou, conforme consta, que:
[...] faz jus à indenização por dano moral perseguida, uma vez que, ainda que não tenha trabalhado diretamente manuseando o DDT ou outro produto químico similar, a contaminação do seu organismo ocorreu pelo contato indireto com as referidas substâncias tóxicas, manuseando relatórios vindo de campo que lhes eram entregues pelos agentes de saúde públicas (borrifadores).
Ainda, aduziu que não lhe foi concedido Equipamento de Proteção Individual.
Decisão do TRF1
A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sob voto do Desembargador Federal Souza Prudente, deu provimento ao recurso.
Isso porque afastou a prescrição quinquenal reconhecida pelo juízo, visto que “[...] apenas alcança as prestações vencidas antes de cinco anos do ajuizamento da ação, nos termos do enunciado da Súmula 85 da jurisprudência do STJ”.
No caso, “[...] deve ser aplicado ao caso o princípio da actio nata, tendo em vista que somente a partir da ciência dos danos da contaminação, tornar-se-ia possível o início do prazo prescricional [...]”.
Ademais, considerando que o exame laboratorial que constatou a presença de produto tóxico no sangue da autora foi concluído em 03/02/2017 e a ação foi proposta no ano de 2018, não decorreu o prazo prescricional quinquenal.
Por fim, diante da comprovação da exposição da autora ao diclorodifeniltricloretano (DDT), embora não tenha sofrido de patologias relacionadas, foi fixada a indenização por dano moral no valor de R$ 3.000,00, por ano de exposição desprotegida, a ser apurado na liquidação de sentença.
Número do Processo
1000139-89.2018.4.01.3313
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTAMINAÇÃO DECORRENTE DE MANIPULAÇÃO DE INSETICIDA. DANOS MORAIS RECONHECIDOS. CONTAMINAÇÃO COMPROVADA. VALOR DA INDENIZAÇÃO DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. OBSERVÂNCIA DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 870.947) E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM REGIME DE RECURSO REPETITIVO (RESP 1.495.144/RS). PRESCRIÇÃO QUINQUENAL AFASTADA. SENTENÇA REFORMADA. HONORÁRIOS RECURSAIS. (ART. 85, § 11, DO CPC). CABIMENTO.
I – Na espécie dos autos, consoante informações contidas na petição inicial, a demandante exerceu, desde seu ingresso na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública – SUCAM, ocorrido em 13/07/1973, função pública no combate a endemias. Posteriormente, passou a integrar o quadro de pessoal da FUNASA, em razão do quanto disposto na Lei 8.029/90 e Decreto nº 100/91, órgão no qual permaneceu exercendo as suas funções, até, ao menos, a data do ajuizamento da presente demanda, ocorrida em 2018. Portanto, a FUNASA possui legitimidade para figurar no polo passivo da presente lide.
II – No caso em exame, busca-se o pagamento de indenização por dano moral, decorrente da alegada contaminação pela substância diclorodifeniltricloretano – DDT e outros produtos químicos correlatos que passaram a substituir o DDT, em virtude de exposição da autora durante o exercício de suas funções laborais no Programa do Combate de Endemias, sem o uso de equipamento de proteção individual.
III - A orientação jurisprudencial já sedimentada no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça, inclusive, pelo sistema de recursos repetitivos, é no sentido de que "nas ações de indenização por danos morais, em razão de sofrimento ou angústia experimentados pelos agentes de combate a endemias decorrentes da exposição desprotegida e sem orientação ao dicloro-difenil-tricloroetano - DDT, o termo inicial do prazo prescricional é o momento em que o servidor tem ciência dos malefícios que podem surgir da exposição, não devendo ser adotado como marco inicial a vigência da Lei nº 11.936/09, cujo texto não apresentou justificativa para a proibição da substância e nem descreveu eventuais malefícios causados pela exposição ao produto químico." (REsp 1809204/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2021, DJe 24/02/2021).
IV - Na hipótese dos autos, o exame laboratorial que constatou a presença de DDT, ou outro produto tóxico correlato, no sangue da autora, apto a comprovar a ciência da contaminação decorrente da exposição ao Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) ou outro inseticida, foi concluído em 03/02/2017, ocasião em que indubitavelmente a autora teve ciência da sua contaminação decorrente da atividade laboral que exercia, não havendo que se falar, pois em prescrição quinquenal, eis que a propositura da presente demanda ocorreu em 2018.
V – Conforme entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, “se já se poderia cogitar de dano moral pelo simples conhecimento de que esteve exposto a produto nocivo, o sofrimento psíquico surge induvidosamente a partir do momento em que se tem laudo laboratorial apontando a efetiva contaminação do próprio corpo pela substância.” (REsp 1684797/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 11/10/2017)
VI – Devidamente comprovado, como no caso dos autos, a contaminação da autora decorrente da manipulação de inseticida, ainda que não seja possível afirmar que ele sofre “males físicos e/ou psíquicos decorrentes da manipulação, desprotegida e sem treinamento adequado, do DDT em suas atividades, com certeza sofreu [sofreram] (...), no mínimo, a angústia causada pela contaminação e pelo pânico produzido em torno da questão, com reflexo em suas relações sociais, a começar pelas relações familiares” (AC 0015286-87.2004.4.01.3500 / GO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.56 de 19/09/2013), passível de reparação por danos morais, tendo em vista a comprovação da contaminação no sangue da postulante, em razão da realização de atividade laboral no combate a endemias.
VII – Na fixação do valor da indenização por danos morais inexiste parâmetro legal definido para o seu arbitramento, devendo ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, submetidos ao prudente arbítrio judicial, com observância das peculiaridades inerentes aos fatos e circunstâncias que envolvem o caso concreto. Portanto, o quantum da reparação não pode ser ínfimo, para não representar uma ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessivo, para não constituir um enriquecimento sem causa em favor do ofendido. Em sendo assim, mostra-se razoável e adequado o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), por ano de exposição desprotegida aos pesticidas, a exemplo do DDT, cujo montante total será apurado na fase de liquidação de sentença.
VIII - Correção monetária a partir do arbitramento, ou seja, da data da prolação deste julgado (Súmula nº 362 do STJ) e juros de mora a partir do evento danoso (Súmula nº 54 do STJ). Precedente.
IX - Na espécie, há de se reconhecer que a correção monetária e os juros de mora devem incidir na condenação imposta por esta egrégia Corte Federal, de acordo com os seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa SELIC, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E. Precedentes.
X – Apelação provida para julgar procedente o pedido de indenização por danos morais. Sentença reformada. Invertido o ônus da sucumbência.
XI – Honorários advocatícios em desfavor da parte ré acrescido em 2% (dois por cento) sobre o valor da condenação corrigida, considerando o disposto no § 11, do art. 85, do CPC vigente.
Acórdão
Decide a Turma, à unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Em 05/05/2021.
Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE
Relator