Ao julgar o recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal em face da extinção por atipicidade da conduta o Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento salientando que há justa causa em um mínimo de elementos sobre a existência dos fatos narrados na denúncia e indicativos da autoria para o recebimento da peça acusatória.
Entenda o Caso
O recurso em sentido estrito foi interposto pelo Ministério Público Federal em face da decisão que rejeitou a denúncia ofertada contra o investigado pela suposta prática dos crimes previstos no art. 92, da Lei n. 8.666/91 e art. 2º, p. 4º, II, da Lei n. 12.850/13, por atipicidade da conduta (fls. 31 – vol. VII).
Na denúncia constou que a organização criminosa se destinava a fraudar licitações e desviar recursos públicos federais repassados ao município, falsificando documentos e corrompendo agentes públicos.
Em razões recursais, o MPF argumentou que:
[...] quando da emissão dos pareceres, o denunciado [...] sabia, ou tinha como saber (dolo eventual), que os aditivos contratuais eram nitidamente desvantajosos para o Município, uma vez que todos os processos de pagamento e demais instrumentos dos procedimentos administrativos relativos a Coletivos União eram instruídos com instrumentos de subcontratação do serviço, e que estavam em poder da prefeitura.
E que “[...] descuidou de seu dever de autotutela sobre os ‘negócios e interesses’ estatais, o que por si só consubstancia vetor mínimo para apuração de sua conduta no bojo da ação penal, notadamente, por ser o elemento subjetivo dos tipos penais imputados na denúncia, perceptíveis através da análise documental”.
O Juízo a quo entendeu que “[...] não vislumbra-se a existência de nenhuma prova a indicar o elemento subjetivo do agente, a fim de saber se agiu por dolo, culpa ou albergado de alguma excludente de culpabilidade [...]”.
Decisão do TRF1
A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sob voto do Desembargador Federal Cândido Ribeiro, deu provimento ao recurso.
Com base no art. 395 do CPP, entendeu “[...] demonstrados indícios de autoria e materialidade quanto aos delitos impostos ao denunciado, nos exatos termos em que mencionados pelo MPF quando do oferecimento da denúncia (fls. 8/29) [...]”.
Os pareceres jurídicos emitidos pelo indiciado, procurador-geral do município, foram considerados suficientes para apuração da conduta consubstanciada no superfaturamento do contrato, superior ao dobro do valor necessário para o serviço, com desvio estimado em cerca de R$ 16.000.000,00.
Nessa linha, constatou que o denunciado “[...] afirmou categoricamente que os aditivos eram mais vantajosos do que a abertura de novo procedimento licitatório, mesmo sabendo, ou tendo como saber (dolo eventual), que o contrato a ser aditivado causava enorme prejuízo aos cofres públicos, como será fartamente demonstrado abaixo”.
Pelo exposto, a extinção foi considerada prematura “[...] sendo certo que para o recebimento da peça acusatória não se exige demonstração cabal ou certeza sobre os fatos e autoria, momento em que impera o interesse público em apurar devidamente e chegar à verdade perante o juízo de fatos potencialmente delitivos”.
Número do Processo
Ementa
PROCESSO PENAL. PENAL. ART. 92, DA LEI N. 8.666/91 (PRATICADO QUATRO VEZES). ART. 2º, P. 4º, II, DA LEI N. 12.850/13. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. EMISSÃO DE PARECER. PROCURADOR MUNICIPAL.RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.
I – Não se mostra razoável a extinção prematura do presente feito em face do denunciado antes de toda a instrução processual, sendo certo que para o recebimento da peça acusatória não se exige demonstração cabal ou certeza sobre os fatos e autoria, momento em que impera o interesse público em apurar devidamente e chegar à verdade perante o juízo de fatos potencialmente delitivos. Havendo um mínimo de elementos sobre a existência dos fatos delitivos narrados e indicativos da autoria, há que se reconhecer a presença de justa causa.
II – “Considerando que a emissão de parecer jurídico é peça obrigatória no processo de licitação e que a conclusão a que chega o advogado sobre a regularidade ou irregularidade do procedimento possui alto grau de influência sobre a decisão do administrador acerca da lisura do certame, não há que se falar em caráter meramente opinativo da peça jurídica, isentando seu subscritor da responsabilidade por eventuais ilegalidades decorrentes de seu trabalho técnico”. (AC 0003101-90.2009.4.01.3807, JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA, TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 06/07/2020)
III – Considerado o suposto envolvimento do denunciado, Procurador do Município de Porto Seguro/BA, em organização criminosa que teria desviado cerca de R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões) repassados ao Município com destinação ao pagamento de serviços de transporte escolar, merece provimento o recurso em sentido estrito para o efetivo recebimento da denúncia, prosseguindo-se a ação penal, igualmente, quanto ao recorrido.
IV - Recurso provido para que seja recebida a denúncia.
Acórdão
Decide a 4ª Turma do TRF - 1ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 20 de julho de 2021.
DESEMBARGADOR FEDERAL C NDIDO RIBEIRO
(Relator)