TRF3 Analisa Desaforamento por Analogia ao Tribunal do Júri

Ao julgar o pedido de desaforamento, representado pelo Juízo, assentando que o investigado é irmão de servidora pública lotada no próprio Juízo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região julgou improcedente assentando que a analogia ao procedimento de desaforamento do Tribunal do Júri não pode ser aplicada no caso.

 

Entenda o Caso

O Inquérito Policial foi instaurado em decorrência de comunicação enviada pelo Banco do Brasil, narrando “[...] a suposta prática do crime de obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira, e/ou o de aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial”.

Isso porque constatou desvio de finalidade do crédito e indícios de uso de documentos falsos para a obtenção de crédito rural subsidiadas pelo Governo Federal.

O Ministério Público Federal requereu o declínio de competência para Vara Federal Especializada ante a investigação de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (artigos 19 e 20, da Lei n° 7.492/86”.

O Juízo indeferiu o pedido e representou ao Tribunal Regional Federal da 3a Região pelo Desaforamento, “[...] com fundamento no art. 427 do Código de Processo Penal, considerando que o investigado C. B. T. é irmão de servidora pública lotada no próprio Juízo e que a declaração de suspeição não seria o suficiente para assegurar um julgamento que não seja colocado em xeque pela sociedade local [...]”.

A Procuradoria Regional da República se manifestou pelo não conhecimento do pedido de desaforamento.

 

Decisão do TRF3

A 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com voto do Desembargador Federal José Lunardelli, julgou improcedente o pedido de desaforamento.

Inicialmente, esclareceu que “[...] o pedido de desaforamento constitui procedimento específico a ser utilizado no âmbito do Tribunal do Júri, sendo regrado nos arts. 427 e seguintes do Código de Processo Penal”.

Por outro lado, destacou que é possível a aplicação, por analogia, do procedimento do desaforamento, “[...] desde que seja patente a presença de elementos fáticos equivalentes àqueles que permitem sua incidência nos casos de competência do Tribunal do Júri”.

No caso, concluiu não se tratar de hipótese de desaforamento, conforme previsto no art. 427 do Código de Processo Penal:

Art. 427.  Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas. 

Por fim, ressaltou que “[...] não há situação excepcionalíssima de comoção ou ameaça à jurisdição e aos direitos fundamentais (ou prerrogativas institucionais)”.

Identificou, noutro norte, que “O que há é potencial constrangimento ou risco de supostos boatos que decorreriam do fato de um investigado específico ter uma parente que atua como servidora na subseção em que se encontra o inquérito”.

E orientou que havendo risco à imparcialidade a via correta seria a declaração de suspeição.

 

Número do Processo

0000016-43.2020.4.03.6107

 

Ementa

DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. LEI 7.492/86. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ARTIGOS 19 E 20. PEDIDO DE DESAFORAMENTO. ANALOGIA. ALTA EXCEPCIONALIDADE. INOCORRÊNCIA. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.

1. Representação de Juízo requerendo o desaforamento de feito comum, ainda em fase de inquérito. Circunstância fundamentadora: fato de irmã do investigado ser servidora da Justiça Federal na mesma localidade.

2. É, em tese, plausível que se aplique por analogia o procedimento do desaforamento, desde que seja patente a presença de elementos fáticos equivalentes àqueles que permitem sua incidência nos casos de competência do Tribunal do Júri. Isso se daria em contextos gravíssimos que trouxessem risco sério ao exercício da jurisdição, de direitos fundamentais ou de prerrogativas públicas em decorrência da manutenção de feito em determinado local.

3. Inexiste circunstância próxima dessa gravidade no caso concreto. O mero risco de boatos ou entendimentos populares acerca de uma questão jurídico-penal, por si, não retira as condições de exercício da jurisdição, e dos direitos e prerrogativas ligados a um processo judicial.

4. Se houvesse algum risco à imparcialidade neste caso, tal risco poderia ser conduzido pelas vias comuns da declaração de suspeição, a ser feita individualmente por cada Magistrado competente, e não para todos os Juízes lotados na mesma subseção.

5. Representação julgada improcedente. Devolvidos os autos ao órgão de origem.

 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Seção, por maioria, decidiu julgar improcedente o pedido de desaforamento, devendo os autos ser encaminhados ao Juízo representante, para regular transcurso (sem prejuízo de eventual declaração de suspeição, se for o caso), nos termos do voto do Relator, no que foi acompanhado pelos Desembargadores Federais FAUSTO DE SANCTIS, PAULO FONTES, pela Juíza Federal Convocada LOUISE FILGUEIRAS e pelo Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW, vencido o Desembargador Federal NINO TOLDO, que não conhecia do pedido de desaforamento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.