TRF3 Mantém Condenação por Situação Degradante de Trabalho

Ao julgar a apelação interposta contra sentença de condenação do sócio proprietário e da gerente por redução dos funcionários à condição análoga a de escravo o Tribunal Regional Tribunal Regional Federal deu provimento parcial apenas para ajustar a dosimetria, assentando que os funcionários permaneciam por longo período em situação de trabalho degradante.

 

Entenda o Caso

Foram interpostos recursos de apelação contra sentença por meio da qual os apelantes foram condenados devido à prática do delito tipificado nos art. 149 cumulado com o artigo 29, ambos do Código Penal, nos autos de ação penal pública incondicionada ajuizada pelo Ministério Público Federal.

O sócio proprietário e a gerente administrativa da empresa administrativa da empresa “[...] reduziram a condição análoga à de escravo os funcionários a seguir identificados, que prestavam serviços em trechos ferroviários, submetendo-os a jornadas exaustivas e sujeitando-os a condições degradantes de trabalho”.

Isso porque “[...] não fornecia as condições mínimas e dignas de trabalho, deixando os funcionários por longos períodos sem alimentação, água, sanitários, comunicação e equipamentos básicos para descanso (barracas, lanternas, etc.), além de submetê-los ao cumprimento de jornadas exaustivas, até o recolhimento da carga tombada”.

O Ministério Público Federal interpôs o recurso de apelação pleiteando a revisão da dosimetria da pena, para alterar o cálculo da pena-base para o "termo médio", e o afastamento da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos para a corré e imposição de regime inicial de cumprimento de pena mais gravoso.

A defesa dos corréus interpôs recurso de apelação pleiteando a absolvição alegando não haver suficientes provas da materialidade e autoria do crime. Ainda, pleitearam a diminuição das penas ao mínimo legal e a diminuição do valor das penas de multa em razão da situação financeira dos acusados.

 

Decisão do TRF3

A 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sob voto do Desembargador Federal Relator José Lunardelli, deu provimento parcial ao recurso tão somente para ajustar a dosimetria.

Da redução a condição análoga à de escravo, a Turma esclareceu que:

Como se nota pelos núcleos do tipo, não se trata apenas da escravidão antiga, em seu sentido de redução estrita de outro ser humano à condição inadmissível de propriedade de alguém. É criminalizada no art. 149 do CP qualquer prática que reduza substancialmente a dignidade humana em relações de controle laboral, seja por meio da redução de locomoção, seja por meio da imposição prática de jornadas exaustivas e condições degradantes de vida e trabalho. 

No caso, constataram que “Muitas vezes os acidentes ocorriam em locais ermos e os funcionários permaneciam por longo período em situação de trabalho degradante”.

As condições degradantes eram “a) ausência de alojamento adequado para os vigias que tinham de permanecer nos locais onde ocorriam os acidentes; b) ausência de banheiro no local onde os serviços eram prestados; c) ausência de fornecimento de alimentação adequada; d) ausência de possibilidade de comunicação entre a empresa e o funcionário alocado e; e) sujeição à jornadas exaustivas, de até mais de 48 (quarenta e oito) horas seguidas”.

Fatos comprovados, também, pelas cláusulas do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a empresa e o Ministério Público do Trabalho.
Foi levado em conta, ainda, “[...] que as vítimas eram pessoas de origem muito humilde, atraídas pela oportunidade de emprego em questão”. 

Quanto ao pleito ministerial, considerou que “[...] a adoção da teoria do "termo médio" está em descompasso com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça [...]”.

 

Número do Processo

0001092-61.2014.4.03.6124/SP

 

Ementa

DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CÓDIGO PENAL. ARTIGO 149. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CARÁTER NEGOCIAL DO ANPP. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. DOLO ATESTADO. DOSIMETRIA. TESE DO TERMO MÉDIO REJEITADA. PENA PARCIALMENTE REDIMENSIONADA. VALOR DO DIA-MULTA REDIMENSIONADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA MANTIDA. JUSTIÇA GRATUITA CONCEDIDA PARA UM DOS RÉUS. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1. Recursos de apelação interpostos pela acusação e pelas defesas contra sentença em que foram condenados os corréus pela prática do delito tipificado no art. 149, caput, do Código Penal (redução a condição análoga à escravidão).
2. A defesa pleiteou a aplicação do art. 28-A do CPP. O Ministério Público Federal manifestou-se no sentido de que não tem interesse em propor acordo de não persecução penal nos termos do art. 28-A do Código de Processo Penal. O oferecimento de ANPP não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação. Diante disso, não cabe qualquer manifestação desta Corte quanto ao tema, dado esse caráter negocial do ANPP, que pressupõe a atuação da defesa e da acusação (ao Poder Judiciário cabe a verificação das condições e sua viabilidade e, se o caso, a homologação judicial).
3. Autoria e materialidade. Comprovação. Prova testemunhal e documental. Documentos juntados aos autos e depoimentos das vítimas e testemunhas ouvidas em sede policial e em juízo, dão conta de um quadro de vida e trabalho degradantes envolvendo trabalhadores da empresa pertencente a um dos corréus. Relatos extrajudiciais de diversas vítimas. Práticas do réu que, aproveitando-se da vulnerabilidade concreta das vítimas, a elas impingia jornadas exaustivas de trabalho em condições degradantes que consistiam em ausência de alojamento adequado, ausência de banheiro no local onde os serviços eram prestados, ausência de fornecimento de alimentação adequada, impossibilidade de comunicação entre a empresa e o funcionário alocado e sujeição a jornadas exaustivas, de até mais de 48 (quarenta e oito) horas seguidas. Dolo patente na execução da conduta.
4. Dosimetria. Alterações. Tese de aplicação do termo médio rejeitada.
4.1.1ª fase. Afastamento da valoração negativa das consequências do crime para evitar "bis in idem".
4.2. Valor do dia-multa reduzido para 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos para dois dos acusados.
4.3. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos mantida.
4.4. Benefício da justiça gratuita concedido a um dos acusados.
5. Recursos da apelação e da defesa parcialmente providos.

 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer dos recursos de apelação e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Público Federal para fixar o regime inicial de cumprimento de pena para o réu Celso como semiaberto; e ao recurso defensivo para redimensionar o valor unitário do dia-multa para os réus Celso e Herika e para conceder o benefício da justiça gratuita ao réu Celso, fixando-se a pena dos acusados em 03 (três) anos, 11 (onze) meses e 19 (dezenove) dias de reclusão em regime semiaberto, além de 17 (dezessete) dias-multa, redimensionando-se o valor de cada dia-multa para 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos para o acusado Celso Rossanni dos Santos; 05 (cinco) anos, 09 (nove) meses e 12 (doze) dias de reclusão, além de 26 (vinte e seis) dias-multa, sendo o valor do dia-multa equivalente a 1/8 (um oitavo) do salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos para o acusado Nelson de Souza Lima Junior e; 02 (dois) anos, 07 (sete) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, além de 11 (onze) dias-multa, redimensionando-se o valor de cada dia-multa para 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos para a acusada Herika Rufino Cunha Garavelo, mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos para esta última, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 23 de setembro de 2021.

JOSÉ LUNARDELLI

Desembargador Federal