TRF4 Afasta Vetoriais do Artigo 59 do Código Penal em Descaminho

Ao julgar a apelação interposta pela defesa ante a condenação pela conduta prevista no art. 334, § 1º, IV, do Código Penal, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região deu provimento parcial e afastou o aumento da pen-base nas vetoriais personalidade e circunstâncias.

Entenda o Caso

Na denúncia foi imputada ao acusado a conduta prevista no art. 334, § 1º, IV, do Código Penal, assentando que “[...] adquiriu, recebeu e ocultou, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal”.

O Parquet propôs suspensão condicional do processo e deixou de propor acordo de não persecução penal, pois não preenchidos os requisitos.

Na resposta à acusação o réu concordou com a suspensão condicional do processo, que foi revogada pela existência de nova ação penal em desfavor do réu.

A sentença o condenou a 1 ano, 9 meses e 7 dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos.

A defesa requereu, dentre outros pontos, a absolvição pela ausência de justa causa e falta de laudo merceológico e o reconhecimento do princípio da insignificância.

Por fim, requereu a revisão da dosimetria penal, ponto no qual a Procuradoria Regional da República manifestou-se pela neutralização das vetoriais personalidade e circunstâncias do crime e excluída a inabilitação para dirigir.

Decisão do TRF4

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com voto do Desembargador Federal Loraci Flores de Lima, deu provimento parcial ao recurso.

Analisando a preliminar de aplicação do Princípio da Insignificância, destacou que é aplicável “[...] ao crime de descaminho quando o somatório dos tributos iludidos (considerados apenas o II e o IPI) não ultrapassar o parâmetro fiscal de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) estabelecido pela Portaria 75 e 130/MF”.

Noutro norte, destacou a impossibilidade de aplicação da insignificância “[...] quando constatada a reiteração delitiva nos crimes de descaminho, configurada tanto pela multiplicidade de procedimentos administrativos, quanto por ações penais ou inquéritos policiais em curso” (STF: HC 129813 AgR).

No caso, constatou que o valor dos tributos federais iludidos por força da internalização das mercadorias totaliza R$ 11.374,21, no entanto, “o réu é contumaz na prática do delito em questão”. 

Quanto à dosimetria, verificou que a personalidade foi valorada negativamente pela habitualidade, sendo o aumento excluído porquanto “[...] se trata de circunstância judicial afeta mais ao campo da psicologia do que ao do direito, vez que é tarefa árdua investigar o particular modo de agir e pensar do agente, a fim de demonstrar cabalmente uma personalidade desregrada”.

Ainda, foi excluída a vetorial circunstâncias, tendo em vista que “[...] o concurso de agentes não enseja a negativação da vetorial circunstâncias do crime, quando ausente outros elementos que confiram maior requinte no modus operandi e, portanto, maior reprovabilidade ao delito [...]”.

Por fim, foi afastada de ofício a incidência do art. 278-A do CTB, mas mantida a inabilitação para dirigir veículo automotor (art. 92, III, do Código Penal).

Número do Processo

5001888-66.2021.4.04.7005/PR

Ementa

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334, § 1º, IV DO CP. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REITERAÇÃO DELITIVA. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO SOCIAL, DA OFENSIVIDADE, DA IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO E DA INTERVENÇÃO MÍNIMA. INAPLICABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO INCIDÊNCIA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. COMPROVAÇÃO. RÉU CONFESSO. ELABORAÇÃO DE LAUDO MERCEOLÓGICO. PRESCINDIBILIDADE. PROVAS JUDICIALIZADAS. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. DOSIMETRIA. PENA BASE REDIMENSIONADA. VETORIAIS PERSONALIDADE E CIRCUNSTÂNCIAS AFASTADAS E NEUTRALIZADAS. ATENUANTE GENÉRICA. NÃO RECONHECIDA. PENA SUBSTITUÍDA POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. VALOR MANTIDO. ADEQUADO A RENDA DECLARADA PELO RÉU. CÁLCULO CONFORME O SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE AO TEMPO DO PAGAMENTO.  INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 278-A DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. AFASTAMENTO. ART. 92, III, CP. APLICABILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. CONDENAÇÃO MANTIDA. APELO PROVIDO EM PARTE. 

1. Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo e inexistindo causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, resta mantida a condenação do réu pela prática do crime do artigo 334, § 1º, inciso IV, do Código Penal.

2. A Receita Federal do Brasil é órgão responsável pelo controle e repressão do ingresso irregular de mercadorias estrangeiras no território brasileiro, possuindo seus agentes aptidão técnica para diagnosticar se as mercadorias apreendidas são efetivamente de origem estrangeira e instrumentos hábeis para mensurar o seu valor, conforme reiterada jurisprudência desta Corte.

3.  Os documentos produzidos na esfera administrativa por servidores públicos, no exercício de suas funções, que neles atestaram a sua fé pública, gozam de presunção de veracidade e legitimidade, próprios dos atos administrativos, portanto, considerados provas irrepetíveis a teor das exceções previstas no art. 155 do CPP. 

4. Na hipótese dos autos, a prova elaborada em sede administrativa foi submetida ao contraditório, oportunizando-se a ampla defesa na esfera judicial, e sendo proporcionado ao apelante o direito de contestar as provas produzidas ou elaborar outras provas que as desconstituíssem, observado, desse modo, o devido processo legal, o que afasta a alegação da defesa de ausência de prova judicializada.

5. Para a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho deve ser observado o parâmetro fiscal de R$ 20.000,00, estabelecido pela Portaria MF nº 75/2012 e 130 no somatório de tributos iludidos (II e IPI) e admitido pela jurisprudência. Há que se observar, ainda, as seguintes condições cumulativamente: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) ausência de periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes. 

6. É entendimento dos Tribunais Superiores e da 4ª Seção desta Corte que a reiteração delitiva, verificável por meio de procedimentos administrativos, inquéritos policiais ou ações penais em curso por delitos semelhantes, afasta a aplicação do princípio da insignificância, em razão do maior grau de reprovabilidade da conduta. Precedentes. 

7. Pena redimensionada para neutralizar os vetores personalidade e circunstâncias. 

7.1. A vetorial personalidade do agente, trata-se de circunstância judicial afeta mais ao campo da psicologia do que ao do direito, vez que é tarefa árdua investigar o particular modo de agir e pensar do agente, a fim de demonstrar cabalmente uma personalidade desregrada. Precedente. 

7.2. A 8ª Turma deste Tribunal firmou orientação no sentido de que o concurso de agentes não enseja a negativação da vetorial circunstâncias do crime, quando ausente outros elementos que confiram maior requinte no modus operandi e, portanto, maior reprovabilidade ao delito. Precedentes. 

8. Esta Corte vem manifestando o entendimento de que não se pode admitir que as desigualdades sociais e as dificuldades econômicas sirvam como justificativa plausível para a prática de crimes. Incabível, assim, a aplicação da atenuante genérica em razão hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social.

9. Presentes os requisitos exigidos pelo artigo 44, caput, do Código Penal, e diante a previsão contida no §2º do mesmo artigo, cabível a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito na modalidade de prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária. 

9.1 Mantido o valor da prestação pecuniária arbitrado na origem, considerando que o valor está proporcional a reprimenda aplicada e que se dividido o quantum pelo número de meses da pena privativa de liberdade imposta, resulta em valor bem inferior a 30% da renda mensal declarada pelo réu.

9.2 É pacífico o entendimento desta Egrégia Corte no sentido de que o salário mínimo a ser utilizado na base de cálculo da prestação pecuniária é o vigente ao tempo do pagamento, não se aplicando o §1º do art. 49 do Código Penal.  

10. Não incide o art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, que determina a cassação do documento de habilitação ou proibição de obtê-lo pelo prazo de 5 (cinco) anos, uma vez que se trata de medida administrativa, sem reflexos no âmbito penal. 

10.1 Mantida a inabilitação do direito de dirigir veículo automotor, com fulcro no art. 92, inc. III, do Código Penal e pelo período correspondente ao tempo da condenação, tendo em vista a reiteração delitiva do réu na prática do crime de descaminho.  

11. O pedido de concessão da gratuidade de justiça deve ser formulado perante o juízo da execução, que aferirá as reais condições econômicas dos agentes. Precedentes. 

12. Apelação Criminal provida em parte. 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer do recurso quanto ao pedido de gratuidade judiciária e na parte conhecida dar parcial provimento a apelação criminal para redimensionar o quantum de pena aplicado, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 01 de fevereiro de 2023.