TRF4 Analisa Estelionato por Venda de Veículos em Garantia

Ao julgar a apelação interposta contra condenação por estelionato majorado, diante da venda de veículos em garantia, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a sentença asseverando que o Réu era proprietário fiduciante depositário e assumiu o compromisso contratual.

 

Entenda o Caso

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia pela prática do delito de estelionato majorado, por duas vezes, previsto no artigo 171, §2º, inciso I e §3º, na forma do artigo 69, ambos do Código Penal.

Na denúncia consta que o réu vendeu dois automóveis adquiridos mediante financiamentos obtidos por ele junto à CEF, firmando o Contrato Particular de Consolidação, Confissão, Renegociação de Dívida e Outras Obrigações.

A sentença condenatória fixou a pena privativa de liberdade de 02 anos e 08 meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, e à pena de multa de 60 dias-multa, e condenou ao ressarcimento do prejuízo no valor mínimo de R$ 41.693,39.

A defesa postulou, em recurso, “[...] a absolvição do réu por ausência de prova inequívoca da materialidade delitiva, por atipicidade da conduta de estelionato por ausência de dolo ou pela ocorrência da excludente de ilicitude do estado de necessidade. Subsidiariamente, requereu a redução do número de dias-multa e da prestação pecuniária substitutiva”.

E afirmou que um dos veículos “[...] não foi objeto de venda, mas encontra-se retido por estar com o licenciamento vencido”.

O acordo de não persecução penal proposto pela acusação foi recusado.

 

Decisão do TRF4

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com voto do Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, deu parcial provimento ao recurso apenas para reduzir o número de dias-multa.

A materialidade e a autoria foram confirmadas, assentando que as garantias oferecidas na renegociação foram os veículos objetos do contrato, no qual consta:

Parágrafo Terceiro - O DEVEDOR(A) obriga-se a:

e) não alugar, transferir, alienar ou sob qualquer título, ceder os direitos de que é titular sobre os bens alienados fiduciariamente.

Quanto à alegação de que um dos veículos não foi vendido, mas apreendido pelo não pagamento do licenciamento, consignou que não foram acostadas provas nos autos.

Nesse ponto, ressaltou que o réu informou ao Oficial de Justiça e à Autoridade Policial que o vendeu, mudando sua versão em Juízo.

Ademais, destacou que “[...] se os automóveis não se encontram na posse do Réu, que, enquanto proprietário fiduciante depositário dos mesmos, assumiu o compromisso de ‘não alugar, transferir, alienar ou sob qualquer título, ceder os direitos’ de que é titular, bem como de, em caso de inadimplência, ‘permitir a Caixa reavê-lo, não podendo, em hipótese alguma, reter o bem", configurada está a autoria do delito [...]”.

Levou-se em conta, também, que “[...] o Réu trabalhava no ramo de compra e venda de automóveis, não lhe socorre a alegação de que desconhecia qualquer das previsões contratuais, dada sua experiência no ramo e em trabalhar com contratos firmados com a Caixa Econômica Federal, sabendo, assim, de todas as possíveis implicações dos negócios jurídicos que firmou”.

Foi acolhido o pleito de redução da multa para o total de 40 dias-multa, mantendo-se o valor fixado para a prestação pecuniária.

 

Número do Processo

5006778-19.2019.4.04.7102

 

Ementa

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO NA MODALIDADE DE DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA. ARTIGO 171, §2º, INCISO I,  E §3º, DO CÓDIGO PENAL. VEÍCULOS VENDIDOS NA VIGÊNCIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PENA DE MULTA REDUZIDA. SIMETRIA COM A PENA CORPORAL. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA MANTIDA. VALOR ADEQUADO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.

1. Para que se tipifique o estelionato, na modalidade disposição de coisa alheia como própria (art. 171, § 2º, I do CPB), exige-se a demonstração da obtenção, para si ou para outrem, da vantagem ilícita, do prejuízo alheio, do artifício, do ardil ou do meio fraudulento empregado com a venda, a permuta, a dação em pagamento, a locação ou a entrega, em garantia, da coisa de que não se tem a propriedade (STJ, REsp 1094325, Quinta Turma, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 14/04/2009). Caso em que o réu firmou contratos de financiamento de veículos com alienação fiduciária à Caixa Econômica Federal, que vieram a ser inadimplidos, e, posteriormente, usou de meio fraudulento e vendeu os automóveis a terceiros, obtendo vantagem indevida.

2. Estando comprovados a materialidade, a autoria e o dolo, sendo os fatos típicos, antijurídicos e culpáveis e inexistindo causas excludentes, mantém-se a sentença condenatória pela prática do delito previsto no artigo 171, §2º, inciso I, e §3º, do Código Penal.

3. A pena de multa deve estar em simetria com a pena privativa de liberdade. Redução por força do apelo.

4. A prestação pecuniária deve ser suficiente para a prevenção e reprovação do crime praticado, atentando-se ainda, para a extensão dos danos decorrentes do ilícito e para a situação econômica do condenado.

5. Apelação provida em parte.

 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação criminal, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de novembro de 2022.