TRF5 Libera Bem de Investigação Penal Nomeando Fiel Depositária

Ao julgar a apelação interposta no incidente de restituição do bem apreendido na busca e apreensão em investigação criminal, diante do indeferimento da restituição, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região deu parcial provimento apenas para autorizar a liberação do automóvel, nomeando a apelante como fiel depositária, mantida à constrição judicial visando a inalienabilidade.

 

Entenda o Caso

O automóvel, objeto do pedido no incidente de restituição de bem apreendido, foi apreendido quando do cumprimento de diligência de busca e apreensão em investigação de supostas irregularidades cometidas por organização criminosa na execução e fiscalização das obras na BR-101, além de corrupção e lavagem de dinheiro.

A apelação foi interposta contra a decisão que indeferiu o pedido de devolução do automóvel considerando a incerteza da propriedade do veículo, entendendo que “[...] o mero registro de propriedade do automóvel em nome da C. Locadora de Serviços Ltda. não o torna imune às medidas cautelares fixadas pelo Poder Judiciário [...]”.

Nas razões, alegou a recorrente que a apelante é locadora de veículos e o objeto do pedido estava entre a frota de veículos disponíveis para locação e que “[...] durante toda a investigação criminal nada foi encontrado da participação da apelante ou de seu representante ([...]) em qualquer crime relacionado ao desvio de recursos públicos objeto do inquérito policial em questão [...]”.

A Procuradoria Regional da República se manifestou pelo não provimento do recurso.

 

Decisão do TRF5

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sob voto do relator Desembargador Federal Francisco Roberto Machado, deu parcial provimento ao apelo, para autorizar a liberação do automóvel nomeando a apelante como fiel depositária, mantida a constrição judicial.

Isso porque entende, com base no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/98, que “[...] conquanto não se possa falar na existência de presunção de que o veículo objeto do presente recurso traduz proveito auferido pelos agentes com a prática do suposto fato criminoso, certo é que para sua devolução não pode haver dúvida quanto à licitude da origem do bem”.

No caso, foram acostados aos autos o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV e “[...] demonstrado que o automóvel em questão estava sob sua posse, ao juntar diversos contratos de locação do bem a terceiros, desempenhando, portanto, as atividades inerentes à função social da pessoa jurídica [...]”.

No entanto, ficou mantida a controvérsia acerca do em dinheiro no valor de R$ 65.950,00 “[...] aparentemente, com a finalidade de S. J. Q. de C. F. adquirir o citado bem [...]”, sendo que a ação penal trata, justamente, de ocultação de patrimônio.

Portanto, foi dada procedência “[...] tão somente do pedido subsidiário, com liberação do veículo mediante nomeação da ora recorrente como fiel depositária, além da manutenção da cláusula de inalienabilidade, inclusive como medida adequada para evitar a deterioração do bem e apresentação de apólice de seguro total do veículo”.

 

Número do Processo

0811024-10.2021.4.05.8300

 

Ementa

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. OPERAÇÃO OUTLINE. SÓCIO ADMINISTRADOR DENUNCIADO PELO ART. 1º DA LEI Nº 9.613/98. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. VEÍCULO. PROPRIEDADE COMPROVADA DA PESSOA JURÍDICA CONSTRIÇÃO MANTIDA. APELANTE PESSOA JURÍDICA. COMPROVADA A PROPRIEDADE E POSSE DO BEM. NOMEAÇÃO DE FIEL DEPOSITÁRIA. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

1. Trata-se de apelação interposta por CONCÓRDIA LOCADORA DE VEÍCULOS E SERVIÇOS LTDA. contra a decisão proferida pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Pernambuco que, em sede de incidente de restituição de bem apreendido, indeferiu o pedido de devolução do automóvel modelo Virtus, marca Volkswagen, ano 2018, cor cinza, placa PCY6715, objeto de apreensão e sequestro na  2ª fase e 3ª fases, respectivamente, da "Operação Outline", nos autos do processo nº 0816091-87.2020.4.05.8300.

2. Em suas razões, alega a recorrente: 1) a apelante, Concórdia Locadora de Veículos e Serviços Ltda. - ME, conhecida como Concórdia Rent Car, é pessoa jurídica de direito privado, atuante no ramo de locação de carros, desde o ano de 2012; 2) entre a frota de veículos disponíveis para locação constava o automóvel, modelo Virtus, da marca Volkswagen, ano 2018, cor cinza, placa PCY-6715, pertencente e registrado em nome da apelante, tendo sido juntado o CRLV em seu nome, Nota Fiscal de aquisição e correios eletrônicos trocados entre ela e a concessionária vendedora;  3) foram juntados ainda , contratos de locação, comprovando que o veículo em questão estava sob domínio da locadora, inclusive, constando os pagamentos faturados no cartão de crédito em conta da locadora; 4) não houve comprovação do depósito financeiro realizado por Silvano José Queiroga em conta corrente da locadora , pois, em verdade, o documento de fls. 1.440 diz respeito ao pagamento, no caixa bancário, do boleto do automóvel, pois quem realizou o pagamento do boleto foi Silvano, que na época era pessoa de confiança do representante da apelante, tendo em vista o parentesco existente entre os dois. Foi ele quem recebeu em mãos o dinheiro da empresa para pagar o boleto; 5) que, no ato de pagamento do boleto, devido ao montante, exigiu-se o registro da identificação do pagador no caixa do banco, conforme determina o Banco Central. No entanto, em ato equivocado, Silvano informou o seu CPF e não o CNPJ da locadora de veículos, real proprietária e pagante do bem adquirido; 6) a decisão denegatória leva em consideração que o representante da apelante afirmou às autoridades policiais, no momento da busca e apreensão, que o depósito do valor teve como finalidade o pagamento do veículo que seria utilizado por Silvano Queiroga, informação que veio a negar posteriormente, quando inquirido em sede da Polícia Federal. Sobre essa entrevista informal, ocorre que o representante não foi cientificado dos seus direitos, sobretudo, o de permanecer calado e o de ser ouvido na presença de um advogado, sendo, assim, uma prova nula; 7) durante toda a investigação criminal nada foi encontrado da participação da apelante ou de seu representante (DINILDO FERRAZ) em qualquer crime relacionado ao desvio de recursos públicos objeto do inquérito policial em questão; 8) que em relação ao último, dá-se sobrevida apenas a uma mera suposição de ser laranja de outro investigado, tudo como efeito de premissa totalmente equivocada, consistente num suposto depósito que nunca existiu; 9) pugna pelo provimento da apelação determinando o levantamento do sequestro referente ao veículo Virtus, ainda que mediante assinatura de termo de responsabilidade (art. 120, § 5º, CPP), neste último caso, sendo garantido a proprietária, ora apelante, dispor do bem para locação, em vista da natureza de seu objeto social.

3. Na espécie, o automóvel foi apreendido por ocasião do cumprimento de uma diligência de busca e apreensão, após decisão exarada no contexto da denominada 2ª fase da "Operação Outline", a qual tem por objeto de investigação supostas possíveis irregularidades cometidas por organização criminosa na execução e fiscalização das obras na BR-101 em Pernambuco, com suspeita de fraudes em processo licitatório e de desvio de recursos públicos, além da prática de outros delitos, como corrupção e lavagem de dinheiro. Na 3ª fase da operação, procedeu-se ao sequestro do aludido automóvel, diante da possibilidade de ser produto de crime ou estar diretamente vinculado aos delitos em apuração.

4. In casu, consta da decisão que, segundo o Relatório de Inteligência Financeira acostado às fls. 62/71 do IPL, Silvano José Queiroga de Carvalho Filho fez um depósito em dinheiro no valor de R$ 65.950,00 (sessenta e cinco mil, novecentos e cinquenta reais), em 12/04/2018, em conta da Concórdia Locadora, com a finalidade, aparentemente, de adquirir o citado bem. Por sua vez, a apelante sustenta que não houve comprovação do depósito financeiro realizado por Silvano José Queiroga em conta corrente da locadora, porque, em verdade, o documento de fls. 1.440 diz respeito ao pagamento, no caixa bancário, do boleto do automóvel, haja vista que quem realizou o pagamento do boleto foi Silvano, que na época era pessoa de confiança do representante da apelante, tendo em vista o parentesco existente entre os dois.

5. A apelante, para fins de comprovação da propriedade do automóvel e sua aquisição de forma lícita, a apelante colacionou aos autos o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV), em seu nome, a nota fiscal de aquisição, correios eletrônicos das tratativas de aquisição, além de diversos contratos de locação (mais de 20), com os respectivos comprovantes de pagamento faturados no cartão de crédito em conta da locadora, a fim de comprovar que o veículo em questão estava sob domínio da pessoa jurídica CONCÓRDIA LOCADORA DE VEÍCULOS E SERVIÇOS LTDA.

6. Ocorre que, compulsando os autos do processo de nº 0818256-73.2021.4.05.8300 (Ação Penal), verifica-se que foi oferecida denúncia em desfavor de SCHEBNA MACHADO DE ALBUQUERQUE, SILVANO JOSÉ QUEIROGA DE CARVALHO FILHO, JÚLIO CÉSAR GOMES DA SILVA, FÁBIO DE ALMEIDA FERREIRA LIMA, LÚCIO MAX FERREIRA MOTA, PRISCILLA FERRAZ MAGALHÃES QUEIROGA DE CARVALHO, JORGE LUIZ LORENA DE FARIAS e DINILDO DE CARVALHO NOGUEIRA FERRAZ, tendo sido imputado a este último o crime do art. 1º da Lei nº 9.613/98.

7. A denúncia foi recebida, estando os autos em tramitação perante o Juízo da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, superada, portanto, a alegação constante no art. 131, I, do CPP. Ademais, o prazo de 60 (sessenta) dias não é peremptório, incidindo, assim, o princípio da razoabilidade, a justificar o elastecimento do prazo quando a complexidade da investigação assim o exigir. (Precedente: AgRg no AREsp 591543 / SP Agravo Regimental No Agravo Em Recurso Especial, 2014/0253731-6, Relator (a) Ministro NEFI CORDEIRO (1159), Órgão Julgador: T6 - Sexta Turma, Data do Julgamento: 27/02/2018, Data da Publicação/Fonte DJe 08/03/2018). Registre-se ainda que a nova redação do art. 4º, § 1º, da Lei n.º 9.613/98 suprimiu o prazo para levantamento das medidas assecuratórias, na hipótese de a ação penal não ser intentada em até 120 (cento e vinte dias). De tal forma, essa supressão é justificada por, justamente, não existir um prazo certo para todas as situações em que sequestrados cautelarmente bens dos investigados pela prática de crimes de lavagem de dinheiro. Assim, a duração da cautelar passou a ser aferida caso a caso, segundo critérios de razoabilidade.

8. É cediço que o sequestro e a busca e apreensão são medidas cautelares, sendo que a primeira é uma dentre as medidas assecuratórias de natureza preventiva, tendo como escopo o resguardo da responsabilidade civil, nos termos dos arts. 125 e 131, I, ambos do CPP e 91, II, do Código Penal. A rigor, as coisas apreendidas em processo criminal são aquelas que, de algum modo, podem interessar à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova quanto objetos sujeitos a futuro confisco, desde que evidenciado que se tratam de: a) coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita; b) bens obtidos pela prática do delito.

9. Em relação aos bens obtidos por meio criminoso, sabe-se que, tanto o produto direto do crime (producta sceleris) quanto o produto indireto (fructus sceleris), podem ser passíveis de confisco (ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé).

10. Nos termos do art. 4º, caput, da Lei nº 9.613/98, havendo indícios suficientes de infração penal, o juiz poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes. In casu, conquanto não se possa falar na existência de presunção de que o veículo objeto do presente recurso traduz proveito auferido pelos agentes com a prática do suposto fato criminoso, certo é que para sua devolução não pode haver dúvida quanto à licitude da origem do bem. Nesse sentido, destaca-se o art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/98.

11. A apelante colacionou aos autos documentação comprobatória acerca da propriedade formal do veículo, tal como o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV), além de ter demonstrado que o automóvel em questão estava sob sua posse, ao juntar diversos contratos de locação do bem a terceiros, desempenhando, portanto, as atividades inerentes à função social da pessoa jurídica CONCÓRDIA LOCADORA DE VEÍCULOS E SERVIÇOS LTDA. Contundo, persiste a controvérsia acerca do depósito (ou pagamento como sustenta a defesa) em dinheiro no valor de R$ 65.950,00 (sessenta e cinco mil, novecentos e cinquenta reais), em 12/04/2018, em conta da Concórdia Locadora, aparentemente, com a finalidade de Silvano José Queiroga de Carvalho Filho adquirir o citado bem, que é justamente o liame com a ação penal da qual o sócio Dinildo de Carvalho Nogueira Ferraz responde por imputação ao crime do art. 1º da Lei nº 9.613/98, ao supostamente ter ocultado o patrimônio objeto do presente pleito.  

12. Os documentos apresentados não são hábeis para comprovar, de forma extreme de dúvidas, a licitude do negócio, de modo a viabilizar o integral acolhimento da pretensão da recorrente, mas tão somente do pedido subsidiário, com liberação do veículo mediante nomeação da ora recorrente como fiel depositária, além da manutenção da cláusula de inalienabilidade, inclusive como medida adequada para evitar a deterioração do bem e apresentação de apólice de seguro total do veículo.

13. Provimento parcial ao apelo, unicamente para autorizar a liberação do automóvel modelo Virtus, marca Volkswagen, ano 2018, cor cinza, placa PCY6715, mediante nomeação da apelante CONCÓRDIA LOCADORA DE VEÍCULOS E SERVIÇOS LTDA como sua fiel depositária, ficando mantida a constrição judicial, a fim  de evitar qualquer forma de alienação, incumbindo à ora recorrente zelar pela conservação e manutenção do bem, evitando a indevida deterioração, além da apresentação de apólice de seguro total do veículo, enquanto perdurar a medida.

 

Acórdão

Vistos e relatados os presentes autos, DECIDE a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento.

Recife (PE), data do julgamento.