TRF3 Desconstitui Acordão em Ação Rescisória para Aposentadoria

Por Elen Moreira - 27/04/2024 as 16:04

Ao julgar a ação rescisória proposta com base em prova nova decorrente da retificação do PPP pela reclamada, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região desconstituiu o acórdão e determinou ao INSS a averbação do período de labor especial, a implantação de aposentadoria especial e o pagamento das prestações vencidas.

 

Entenda o Caso

Na ação de origem foi postulada a concessão de aposentadoria especial.

A ação rescisória foi ajuizada para desconstituir o acórdão proferido na apelação cível, que negou provimento à apelação da parte autora e do INSS, mantendo a sentença de parcial procedência, a qual reconheceu as condições especiais da atividade desempenhada, em menor período.

A parte autora alegou que obteve novo PPP emitido pela empresa “[...] cujo conteúdo ignorava e não pode fazer uso oportunamente no processo antecedente [...]”.

Asseverou, também, que o documento assegura pronunciamento favorável para os períodos não reconhecidos no acórdão, visto que “[...] a própria empresa emitiu uma declaração a respeito da retificação do aludido PPP”.

A decisão impugnada reconheceu a ocorrência da decadência do direito à propositura da ação rescisória e julgou extinto o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 975, caput, do CPC.

Os Embargos de declaração opostos pela parte autora foram rejeitados, sendo interposto agravo interno.

Em juízo de retratação foi reconsiderada a decisão que reconheceu a decadência e determinado o prosseguimento do feito.

 

Decisão do TRF3

A 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com voto do Desembargador Federal Nelson Porfirio, julgou procedente a ação rescisória.

De início, consignou que a Turma já analisou a retificação dos dados relativos à exposição ao agente nocivo ruído pela empresa reclamada, que “[...] antes eram indicados de forma cumulada, por medida, e passaram a ser indicadas individualizadamente, ano a ano”.

No entanto, quanto a falsidade da prova, destacou que “A retificação de dados do PPP não induz, necessariamente, ao entendimento de que o documento anterior seja documento falso”.

Sobre a rescisão da coisa julgada em decorrência de prova nova, asseverou:

[...] o autor teve de arcar com a improcedência de seu pedido na ação subjacente, resultado cuja reversão passou a ser possível com a apresentação da prova (revisão de metodologia de informação de dados) da situação pretérita (dados colhidos e informados ano a ano), obtida após o trânsito em julgado, cuja existência, de forma evidente, era ignorada pelo autor da ação rescisória e de que não pode fazer uso na ação subjacente.

Assim, reconheceu a existência de prova nova “[...] para desconstituir parcialmente o julgado na ação subjacente em relação aos pleitos para aposentação especial e para reconhecimento de labor especial nos períodos de 06.03.1997 a 31.12.2002 e 26.04.2014 a 25.07.2014”.

Consequentemente, condenou a autarquia à averbação do período de labor especial, implantação de aposentadoria especial e pagamento das prestações vencidas.

 

Número do Processo

5007079-22.2020.4.03.0000

 

Ementa

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. PROVA FALSA. FUNDAMENTO ÚNICO E DETERMINANTE. OBSTÁCULO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. INDUÇÃO DIRETA DO JUÍZO EM ERRO. NECESSIDADE DE EFETIVA COMPROVAÇÃO DA FALSIDADE. MERA RETIFICAÇÃO DE PPP NÃO INDUZ AO FALSO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA HIPÓTESE RESCINDENDA. PROVA NOVA. INCABÍVEL REABERTURA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA PARA SUPRIR DEFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO DECORRENTE DE DESÍDIA OU NEGLIGÊNCIA. ESPECIFICIDADE DO CASO CONCRETO. REVISÃO DE METODOLOGIA DE INFORMAÇÃO DE DADOS. PPP E LAUDO PERICIAL RETIFICADOS. SUFICIÊNCIA, POR SI SÓ, À MODIFICAÇÃO DO JULGADO. REAFIRMAÇÃO DE PRECEDENTE DESTA SEÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. EXPOSIÇÃO ACIMA DO LIMITE DE TOLERÂNCIA. REAFIRMAÇÃO DA DER. POSSIBILIDADE. IUDICIUM RESCINDENS. PARCIAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO RESCISÓRIA. IUDICIUM RESCISORIUM. PARCIAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO SUBJACENTE. VERBA HONORÁRIA. CONDENAÇÃO.

1. Reafirmação de precedente desta 3ª Seção (AR 50153797020204030000, relator Desembargador Federal Newton De Lucca, j. 24.09.2021, v.u), que já se debruçou sobre a específica situação jurídica relativa à retificação da informação de dados relativos à exposição ao agente nocivo ruído pela empresa Nestlé do Brasil Ltda., decorrente da revisão feita pela empregadora quanto à metodologia dessa informação, que antes eram indicados de forma cumulada, por média, e passaram a ser indicadas individualizadamente, ano a ano.

2. Para que seja possível a rescisão da coisa julgada material sob o fundamento de falsidade de prova é necessário que o julgado rescindendo esteja nela fundamentado de tal sorte a não remanescer fundamento diverso independente ensejador de sua subsistência. Ainda, exige-se que a prova reputada como falsa tenha causado obstáculo efetivo ao exercício do contraditório e da ampla defesa, influenciando ou induzindo o julgador em erro, de forma direta, para o reconhecimento de falso direito. Tem-se que a falsidade da prova deve ser efetivamente comprovada nos autos, não podendo ser presumida.

3. A retificação de dados do PPP não induz, necessariamente, ao entendimento de que o documento anterior seja documento falso. Verifica-se que o documento constante da ação subjacente, objeto de retificação e juntada nesta via rescisória, não apresentava informações falsas, mas, sim, apresentava os mesmos dados de uma forma diversa, isso é, por média.

4. Fundada a ação rescisória na existência de documento novo, a prova nova deve ser, por si só, suficiente para modificar o julgado rescindendo, ainda que de forma parcial. Não se objetiva reabrir a dilação probatória para, simplesmente, suprir deficiência do conjunto probatório produzido na ação originária, decorrente da não observância pela parte, por desídia ou negligência, de seu ônus processual probatório, mas, sim, viabilizar a apresentação de prova nova, cuja existência a parte ignorava ou de que não podia fazer uso.

5. O documento novo, que viabiliza a rescisão do julgado, deve se reportar à situação fática pretérita, isto é, aquela já existente à época da decisão rescindenda.

6. Ressalta-se, na especificidade do caso concreto, que a demanda subjacente foi instruída não apenas com o PPP emitido à época, mas, também, com laudo técnico individual de condições ambientais de trabalho, constando em ambos a mesma metodologia de informação de dados de forma cumulada. Quanto ao ponto, destaca-se que não era possível identificar nos referidos documentos que a informação dos dados se dava por média. Não se tratou, portanto, de situação de desídia do autor da ação subjacente na apresentação de provas necessárias à demonstração de seu direito, mas, sim, de comprovada impossibilidade de apresentação dessas provas à época do ajuizamento da demanda subjacente.

7. Esta, justamente, é a especificidade do caso concreto, pois, embora os dados sobre a exposição a agentes nocivos tivessem sido apurados em época própria, em razão da metodologia da empregadora para sua informação, desconhecida pelo autor e imperceptível na análise dos documentos próprios para demonstração do labor especial (PPP e laudo técnico), o autor teve de arcar com a improcedência de seu pedido na ação subjacente, resultado cuja reversão passou a ser possível com a apresentação da prova (revisão de metodologia de informação de dados) da situação pretérita (dados colhidos e informados ano a ano), obtida após o trânsito em julgado, cuja existência, de forma evidente, era ignorada pelo autor da ação rescisória e de que não pode fazer uso na ação subjacente.

8. Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.

9. Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.

10. A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.

12. Em relação aos períodos de 06.03.1997 a 31.12.2002 e 26.04.2014 a 25.07.2014, os documentos novos apresentados pelo autor são suficientes, por si só, à reversão do resultado do julgamento, uma vez que indicam exposição ao agente nocivo ruído em intensidade superior aos limites de tolerância previstos nas normas jurídicas vigentes à época.

13. Quanto ao período de 01.01.2003 a 17.11.2003, os documentos novos apresentados pelo autor não são suficientes, por si só, à reversão do resultado do julgamento, uma vez que a exposição ao agente nocivo ruído se deu em intensidade igual a 90 dB(A), portanto não superado o limite de tolerância previsto na norma jurídica vigente à época.

14. Verifica-se que, na DER, o autor computou o total de 24 (vinte e quatro) anos, 1 (um) mês e 20 (vinte) dias de labor especial, insuficientes, portanto à aposentação especial. Em 05.06.2015, completou 25 (vinte e cinco) anos de tempo de labor especial, fazendo jus à aposentação especial, haja vista que, desde 25.07.2014 a 05.06.2015, o autor se manteve na mesma atividade, exposto ao agente nocivo ruído com nível de intensidade superior ao limite de tolerância previsto na norma jurídica vigente à época.

15. Observância do quanto disposto no artigo 493 do CPC, haja vista pedido de reafirmação da DER para a data em que implementou os requisitos necessários para sua aposentação.

16. A 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, em 23.10.2019, no julgamento do Tema Repetitivo n.º 995, firmou tese no sentido de que “é possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir”. Registrou, também, que “haverá sucumbência se o INSS opuser-se ao pedido de reconhecimento de fato novo, hipótese em que os honorários de advogado terão como base de cálculo o valor da condenação, a ser apurada na fase de liquidação, computando-se o benefício previdenciário a partir da data fixada na decisão que entregou a prestação jurisdicional”. Ainda, em 19.05.2020, no julgamento dos primeiros embargos de declaração opostos pelo INSS, aquela Corte estabeleceu que, no caso da reafirmação da DER, o direito é reconhecido no curso do processo, não havendo que se falar em parcelas vencidas anteriormente ao ajuizamento da ação, bem como que, no caso de o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, surgirá, a partir daí, parcelas vencidas oriundas de sua mora, situação em que deverá haver a fixação dos juros, a serem embutidos no requisitório.

17. Data de início do benefício fixada na data da citação nesta ação rescisória, em 15.05.2020, uma vez que o rejulgamento da ação subjacente se deu em razão de prova nova juntada nesta via rescisória.

18. A renda mensal inicial deverá ser calculada pela autarquia com base na legislação vigente à época da implementação dos requisitos necessários à concessão do benefício, isto é, em 05.06.2015.

19. A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada, desde a data de cada vencimento, de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos da Justiça Federal até a promulgação da Lei n.º 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.

20. Os juros de mora, incidentes mês a mês, devem ser fixados de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos aplicável à Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante. A partir da promulgação da EC nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, para fins de atualização monetária e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente. O termo inicial se dará apenas a partir de 45 (quarenta e cinco) dias da data da intimação da autarquia para implantação do benefício ora deferido, nos estritos termos do quanto definido pelo c. STJ no julgamento do tema repetitivo n.º 995. O termo final ocorrerá na data de expedição do ofício requisitório.

21. Dada a ínfima sucumbência do autor e considerando que a autarquia se opôs à integralidade dos pedidos formulados na presente ação rescisória, incluindo-se, portanto, o pleito para reafirmação da DER, condenado o INSS no pagamento de honorários advocatícios fixados no percentual mínimo do § 3º do artigo 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação, consideradas as parcelas vencidas até a data deste julgamento, nos termos da Súmula n.º 111 do c. Superior Tribunal de Justiça.

22. Em juízo rescindendo, com fundamento no artigo 966, VII, do CPC/2015, julgada parcialmente procedente a presente ação rescisória para desconstituir em parte o julgado na ação subjacente em relação aos pleitos para aposentação especial e para reconhecimento de labor especial nos períodos de 06.03.1997 a 31.12.2002 e 26.04.2014 a 25.07.2014. Em juízo rescisório, nos termos do artigo 487, I, do CPC/2015, julgada parcialmente procedente o pedido formulado na ação subjacente para, mediante reafirmação da DER e mantido o período especial previamente reconhecido de 18.11.2003 a 25.04.2014, condenar a autarquia na averbação do período de labor especial exercido de 06.03.1997 a 31.12.2002 e 26.04.2014 a 05.06.2015; na implantação de aposentadoria especial, com data de início do benefício em 15.05.2020 e renda mensal inicial a ser calculada pela autarquia com base na legislação vigente em 05.06.2015; e, no pagamento das prestações vencidas acrescidas de correção monetária e juros de mora, na forma supra delimitada.

 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por maioria, decidiu, em juízo rescindendo, julgar parcialmente procedente a ação rescisória, a fim de, exclusivamente com fulcro na hipótese rescindenda de prova nova, desconstituir o julgado na ação subjacente em relação aos pleitos para reconhecimento de labor especial nos períodos de 06.03.1997 a 31.12.2002 e 26.04.2014 a 25.07.2014 e para aposentação especial; e, em juízo rescisório, julgar parcialmente procedente o pedido na ação subjacente para, mediante reafirmação da DER e, mantido o período especial previamente reconhecido de 18.11.2003 a 25.04.2014, condenar a autarquia na averbação do período de labor especial exercido de 06.03.1997 a 31.12.2002 e 26.04.2014 a 05.06.2015, bem como na implantação de aposentadoria especial, com DIB em 15.05.2020 e RMI a ser calculada com base na legislação vigente em 05.06.2015, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.