TRF4 Analisa Estado de Necessidade em Estelionato Previdenciário

Ao julgar a apelação interposta em face da sentença condenatória por estelionato continuado, diante do recebimento de benefícios pertencentes ao genitor da ré, falecido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento afastando as alegações de erro de proibição, estado de necessidade e ausência de dolo.

 

Entenda o Caso

A ré foi denunciada pela prática do delito tipificado no artigo 171, §3º, do Código Penal, por ter recebido os benefícios previdenciários de aposentadoria por idade e pensão por morte em nome de seu genitor falecido. 

A sentença condenou à pena de 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão e ao pagamento de 112 dias-multa, substituindo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em prestação pecuniária no valor de 10 salários mínimos e prestação de serviços à comunidade.

A defesa recorreu sustentando erro de proibição, estado de necessidade e ausência de dolo ou fragilidade probatória.

 

Decisão do TRF4

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sob voto do Desembargador Federal Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, negou provimento ao recurso.

A alegação de ignorância foi afastada, assim como o arguido estado de necessidade por dificuldades financeiras, porque, além de não comprovadas pela defesa, ainda que comprovado o estado de necessidade “[...] não ampararia os saques indevidos por ela realizados na conta poupança de seu pai falecido na Caixa Econômica Federal, em relação aos quais restou praticado o estelionato previdenciário”.

Quanto ao erro de proibição, a Turma entendeu que “[...] na forma do artigo 21, caput e parágrafo único, do Código Penal, não é sustentável diante do conhecimento público e notório de fatos similiares e da sua configuração como conduta criminosa, especialmente porque os benefícios creditados estavam em nome do de cujus”.

Nessa linha, destacou que a afirmação da ré de que utilizou os valores dos benefícios para o pagamento do funeral demonstra que era sabedora de que os proventos pertenciam ao titular, concluindo que “[...] as circunstâncias demonstram que a acusada tinha consciência da ilicitude de sua conduta”.

Por fim, foi mantida a condenação, com ajuste na dosimetria da pena, reduzindo a pena de multa para 29 dias-multa e a prestação pecuniária para 5 salários mínimos. O quantum mínimo reparatório foi mantido no valor de R$ 59.166,14.

 

Número do processo

5001986-20.2018.4.04.7017/PR

 

Ementa

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO CONTRA O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL. ARTIGO 171, CAPUT E §3º, DO CÓDIGO PENAL. SAQUE DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS APÓS O ÓBITO DO TITULAR COM CARTÃO MAGNÉTICO. ERRO DE PROIBIÇÃO. ESTADO DE NECESSIDADE. TESES AFASTADAS. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. CONTINUIDADE DELITIVA. FRAÇÃO MÁXIMA. PENA DE MULTA E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.

1. Configura o crime de estelionato majorado a obtenção de vantagem ilícita, consubstanciada no saque indevido de valores de benefícios previdenciários, em prejuízo ao Instituto Nacional do Seguro Social, após o falecimento do titular, mantendo intencionalmente em erro a entidade de direito público ao omitir o óbito.

2. O erro de proibição, na forma do artigo 21, caput e parágrafo único, do Código Penal, não é sustentável quando presentes circunstâncias que demonstram a consciência da ilicitude da conduta praticada.

3. O estado de necessidade, que exige, nos termos do artigo 24 do Estatuto Repressor, o perigo atual e iminente que não poderia de outro modo ser evitado, é incompatível com os saques reiterados e perpetrados por longo período.

4. Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo, e sendo os fatos típicos, antijurídicos e culpáveis, mantém-se a condenação da ré pelo crime do artigo 171, § 3º, do Código Penal.

5. Realizados mais do que 7 saques indevidos de benefícios previdenciários, a continuidade delitiva deve ser aplicada em sua fração máxima.

6. A pena de multa deve observar a  proporcionalidade em face da menor pena corporal prevista (quinze dias de detenção) e a maior sanção corporal possível (trinta anos de reclusão). Caso em que reduzida a quantidade de dias-multa estipulada em sentença.

7. O valor da prestação pecuniária deve ser suficiente para a prevenção e reprovação do crime praticado, atentando-se ainda, para a extensão dos danos decorrentes do ilícito e para a situação econômica do condenado. Caso em que minorado o montante fixado em sentença.

8. Recurso da defesa provido em parte.

 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação criminal, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 01 de setembro de 2021.