Ao julgar o habeas corpus, com pedido liminar, para dispensa ou redução da fiança, arbitrada em R$ 70.000,00, decorrente da prisão em flagrante do paciente por suposto cometimento do crime de descaminho - apreendidos 05 MacBook Air, e 03 MacBook Pro - o Tribunal Regional Federal da 4ª Região constatou o constrangimento ilegal e revogou a custódia cautelar, sendo dispensado o pagamento da fiança.
Entenda o Caso
O habeas corpus, com pedido liminar, foi impetrado objetivando a dispensa/redução da fiança decorrente da prisão em flagrante do paciente por suposto cometimento do crime de descaminho, sendo que a autoridade policial arbitrou o valor de R$ 70.000,00.
O Juízo de origem indeferiu o pedido.
A parte impetrante argumentou, conforme consta, “[...] que o valor colocou a liberdade do segregado impossível de ser alcançada, ainda mais pelas condições financeiras da família do segregado”.
E, ainda, alegou que em caso de condenação, considerando a primariedade e as condições pessoais, será fixado regime aberto para o cumprimento da pena, com substituição por restritivas de direitos.
Decisão do TRF4
A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sob voto do Desembargador Federal Relator Nivaldo Brunoni, concedeu a liminar no habeas corpus.
Inicialmente, fez constar a legalidade na fixação de fiança para concessão da liberdade, como previsto no artigo 319, inciso VIII, do Código de Processo Penal.
Ainda, colacionando os artigos 325 e 326 do Código de Processo Penal, destacou que o valor arbitrado a título de fiança é inadequado, embora seja considerável o valor dos bens apreendidos (05 MacBook Air, e 03 MacBook Pro), tendo em conta a renda auferida pelo paciente com a profissão de caminhoneiro.
Ademais, ressaltou:
Cumpre esclarecer que esta Corte, seguindo precedentes de Tribunais Superiores, sempre decidiu pelo descabimento da manutenção da prisão preventiva de acusados que, em razão da impossibilidade financeira de recolherem o valor arbitrado a título de fiança, fossem permanecer presos indefinidamente em razão da falta de pagamento.
Dos autos ficou constatada, também, a hipossuficiência do paciente, por meio dos extratos bancários acostados.
Ficou consignada, ainda, a situação decorrente da pandemia de COVID-19 e a recomendação do CNJ nº 62, de 17/03/2020 no sentido de tomar medidas alternativas a fim de evitar aglomerações.
Pelo exposto, foi constatado o constrangimento ilegal e revogada a custódia cautelar, sendo dispensado o pagamento da fiança.
Número do processo
Decisão
Registro não existir qualquer ilegalidade na fixação de fiança para fins de concessão da liberdade. A sua imposição, como medida cautelar diversa da prisão, está prevista no artigo 319, inciso VIII, do Código de Processo Penal.
Para a fixação do patamar da fiança, a disciplina a ser observada pelo julgador está regulada nos artigos 325 e 326 do Código de Processo Penal. Deve o Magistrado atentar para o fato de que a fiança não pode ostentar valor irrisório, sendo ineficaz aos propósitos a que se destina, nem tampouco configurar um impeditivo completo ao livramento mediante imposição de quantia demasiadamente elevada.
Dispõe o artigo 326 do mesmo diploma legal que para determinar o valor da fiança a autoridade deverá considerar, além da natureza da infração e a importância provável das custas do processo até final julgamento, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado e as circunstâncias indicativas de sua periculosidade.
No caso, conquanto não se trate de quantidade muito expressiva de eletrônicos (haviam 05 (cinco) equipamentos eletrônicos cujos dizeres em suas caixas informavam ser "MacBook Air", e 03 (três) equipamentos eletrônicos cujos dizeres em suas caixas informavam ser "MacBook Pro", trata-se de montante razoável, cujo valor estimado constitui indicativo de capacidade financeira. Assim, a princípio, tem-se como adequada a imposição da medida cautelar de fiança, prevista no artigo 319, VIII, do CPP.
Cumpre destacar que constitui ônus do impetrante demonstrar que o paciente não possui condições de arcar com o custo da fiança, não se prestando para tanto a mera afirmação ou simples declarações, como reiteradamente vem decidindo esta Corte (HC nº 5011598-57.2013.404.0000, 7ª Turma, Juiz Federal Luiz Carlos Canalli, por unanimidade, juntado aos autos em 11/06/2013). Registros de certidão negativa de propriedade imobiliária, por exemplo, não se mostram suficientes, por si sós, para comprovar a alegada incapacidade econômica.
Como ao delito imputado ao flagrado é prevista pena máxima superior a 4 anos (artigo 334 do CP), aplica-se ao caso a regra do artigo 325, II, do CPP (fiança entre 10 e 200 salários mínimos).
Não obstante isso, as circunstâncias da prática delitiva demonstram a inadequação do valor estabelecido a título de fiança. Com efeito, o valor fixado se revela elevado para ser adimplido com renda auferida com a profissão "caminhoneiro".
Cumpre esclarecer que esta Corte, seguindo precedentes de Tribunais Superiores, sempre decidiu pelo descabimento da manutenção da prisão preventiva de acusados que, em razão da impossibilidade financeira de recolherem o valor arbitrado a título de fiança, fossem permanecer presos indefinidamente em razão da falta de pagamento.
O recente julgamento realizado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça determinando a concessão de liberdade provisória aos acusados que estivessem presos em razão do não pagamento de fiança, no meu ponto de vista, segue essa mesma linha de raciocínio - o acusado não deve permanecer preso apenas por não possuir condições de pagar a fiança estabelecida.
Confira-se trechos do inteiro teor do julgamento referido:
Nos termos em que preconiza o Conselho Nacional de Justiça em sua Resolução, não se mostra proporcional a manutenção dos investigados na prisão, tão somente em razão do não pagamento da fiança, visto que os casos – notoriamente de menor gravidade – não revelam a excepcionalidade imprescindível para o decreto preventivo.
Ademais, o Judiciário não pode se portar como um Poder alheio aos anseios da sociedade, sabe-se do grande impacto financeiro que a pandemia já tem gerado no cenário econômico brasileiro, aumentando a taxa de desemprego e diminuindo ou, até mesmo, extirpando a renda do cidadão brasileiro, o que torna a decisão de condicionar a liberdade provisória ao pagamento de fiança ainda mais irrazoável.
(...)
... concedo a ordem para determinar a soltura, independentemente do pagamento da fiança, em favor de todos aqueles a quem foi concedida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança no estado do Espírito Santo e ainda e encontram submetidos à privação cautelar de liberdade em razão do não pagamento do valor.
Da análise dos trechos acima verifica-se que o objetivo é conceder a liberdade aos acusados que não conseguiram arcar com o valor da fiança, e apenas por tal motivo ainda estão presos.
Esse parece ser o caso dos autos.
Ademais, o impetrante acostou aos autos vários extratos bancários do paciente, demonstrando transparência quanto à prova de hipossuficiência.
Por derradeiro, cumpre lembrar que, em face da situação excepcional do estado de calamidade pública diante da pandemia de COVID-19, estão sendo adotadas uma série de medidas para evitar o contato, a aglomeração e a circulação de pessoas.
Em virtude dessa peculiar situação, o CNJ recomenda que se adotem medidas para proteger a vida e a saúde das pessoas privadas de liberdade e que se reduzam as aglomerações nas unidades prisionais (Recomendação nº 62, de 17/03/2020).
Feitas essas considerações, conclui-se que, na espécie, há constrangimento ilegal a ser sanado na via do habeas corpus, devendo ser revogada a custódia cautelar.
Nessas condições, deve ser dispensado o pagamento da fiança arbitrada, sem prejuízo da aplicação de medidas cautelares diversas da prisão que o magistrado de origem entender convenientes.
Ante o exposto, defiro o pedido liminar.